quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Novos tempos, velhas fórmulas



















É no mínimo revoltante o papel que alguns veículos da imprensa nacional se prestam, confundindo liberdade de expressão com direito a criar factóides, sem o mínimo cuidado de reunir provas que atestem suas acusações. Na terça-feira, dia 23 de fevereiro, por exemplo, o jornal Folha de São Paulo estampou a manchete: “Nova Telebrás beneficia cliente de Dirceu”.

A reportagem, estampada no caderno B1 do jornal, trazia as seguintes acusações (não é possível, dada a falta de provas, utilizarmos aqui a expressão “informações”):

01. O ex-ministro José Dirceu teria supostamente recebido “pelo menos” uma quantia de R$ 620 milhões por parte do grupo do empresário Nelson dos Santos , que deve ser beneficiado com a reativação da “nova” Telebrás;

02. Essa quantia teria sido paga pelo empresário a Dirceu entre os anos de 2007 e 2009, depois de Santos ter comprado 51% das ações da falida Eletronet, em 2005, pelo valor simbólico de R$ 1;

03. Após Santos contratar Dirceu, o governo decidiu usar as fibras ópticas da Eletronet para reativar a Telebrás e arcar sozinho com a caução judicial necessária para resgatar a rede, hoje em poder dos credores;

04. Esse negócio renderia a Nelson dos Santos R$ 200 milhões.

O caso Eletronet
Para refletirmos um pouco mais do que está por trás realmente de tudo isso, vamos entender o caso da Eletronet. A empresa foi criada em 1999, com o intuito de administrar a rede de fibras ópticas da Eletrobrás, sendo que 51% da participação foi leiloada ao grupo norte-americano AES, ficando os 49% restantes com a Lightpar.

Passados três anos de formação da empresa, a Lightpar verificou que a AES não estava cumprindo sua obrigação contratual relacionada aos investimentos na Eletronet, tomando, para si, o controle da empresa, após acordo entre os acionistas. A Eletronet seguia com grandes dificuldades financeiras, ampliando seu endividamento e com perspectivas nada boas de mercado.

Diante deste quadro, a Lightpar, em 2003, pediu a auto-falência da Eletronet e, no ano seguinte, a AES resolveu vender a sua participação para o grupo comandado pelo empresário Nelson dos Santos. Assim, Nelson dos Santos ficou com 51% da participação da Eletronet (que já estava falida) e a Eletrobrás com os 49% restantes.

A Eletrobrás passou, então, a reivindicar, junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a posse da rede de fibras ópticas que estava sendo operada pela falida Eletronet (16 mil km de fibra óptica). Iniciou-se então, um processo de disputa judicial, envolvendo o governo (Eletrobrás), os sócios privados da Eletronet e seus credores (a Lucent-Alcatel e a Furukawa).

Em dezembro de 2009, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu à Eletrobrás a retomada de posse da rede de fibra ópticas da Eletronet, seguindo, contudo, a briga judicial por conta da caução que o governo teria que depositar para quitar a dívida de R$ 800 milhões com os credores.

O que a Folha não explica
O que acontece é que os credores querem saber como e quando vão receber essa quantia do governo. É essa a ação que corre na Justiça. De um lado, dois credores querem receber e do outro o governo pleitea junto à Justiça a possibilidade de pagar a dívida com títulos públicos ao invés de recursos orçamentários.

Em nota pública, a Advocacia Geral da União (AGU) esclareceu que:

a) A caução atenderá exclusivamente eventuais direitos de credores da Eletronet e não dos seus sócios;

b) A utilização que vier a ser dada à rede de fibras ópticas não beneficiará a massa falida da Eletronet, seus sócios, seus credores ou qualquer grupo empresarial privado;

c) A retomada desse patrimônio, por via judicial, não gerou direitos aos sócios da Eletronet ou qualquer outro grupo empresarial privado;

d) Eventual reativação da Telebrás não vai gerar receitas ou direitos de crédito para a massa falida da Eletronet, seus sócios, credores, ou qualquer grupo empresarial com interesses na referida massa falida.


Assim, sendo, vamos refletir um pouco: onde entra o pagamento de R$ 200 milhões ao Nelson dos Santos? Ele não é credor de nada, é apenas sócio de uma empresa falida. E outra: a Eletrobrás já tem o direito de posse dos ativos da Eletronet – para que pagaria esse montante? E quem pagaria? Como? Lembremos que o impasse judicial refere-se ao pagamento que o governo tem que fazer aos credores e não a sócios.

E como não bastasse, nesta quarta-feira (24/02), a mesma Folha de São Paulo publica uma reportagem, segundo a qual a operadora Oi estaria negociando a compra das dívidas da Eletronet. De acordo com a reportagem, a Oi pagaria aos credores R$ 140 milhões, tendo como objetivo tirar a Eletronet da falência e “explorar comercialmente a rede da companhia”.

Caso o negócio se concretizasse, Nelson dos Santos (que detém 51% da Eletronet) deveria receber em torno de R$ 70 milhões, conforme insinuado pela reportagem da Folha. Ainda de acordo com o jornal, a Oi foi procurada e declarou que “estudou o negócio, sua pertinência e compatibilidade, mas chegou a um impasse comercial”.

Denuncismo: a quem interessa?
A tempo, o jornal O Estado de São Paulo (Estadão) publicou também nesta quarta-feira uma reportagem que desmente por completo a versão da Folha. Segundo a matéria do Estadão – “Santos ganharia R$ 50 milhões na venda para a Oi” – a operadora chegou muito próximo de comprar a Eletronet, sendo que o empresário Nelson dos Santos ganharia entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões na transação.

Agora, o mais interessante de tudo: a matéria do Estadão esclarece o porquê não deu certo a transação da Oi:

“O acordo esbarrou, porém, no interesse do governo, que diz querer uma rede estatal de internet banda larga. Dona de 49% do capital da Eletronet, a estatal de energia Eletrobrás tinha o direito de vetar o acordo com a Oi. E foi o que fez, quando o governo decidiu retomar a rede de fibras ópticas e recriar a estatal de telefonia Telebrás.”

Ou seja, será que o governo quer mesmo beneficiar o Nelson dos Santos? Ao que tudo indica, parece que não. Caso contrário, não teria impedido a venda da Eletronet para a Oi. Vê-se, dessa maneira, que as denúncias apresentadas pela Folha de São Paulo não se sustentam, levando-nos a pensar acerca da motivação do jornal para proceder de tal forma.

Cá pra nós, é a velha fórmula que os setores conservadores vêm utilizando desde sempre: espalhar boatos, criar factóides, já que não têm apontamentos negativos reais para fazerem acerca do governo Lula. Nos anos 90, dizia-se que o PT no governo iria acabar com a economia do país: Lula era visto pelos setores conservadores como um verdadeiro “Átila, rei dos hunos”, que desestabilizaria todo o pais.

Em 2002 foi a mesma coisa. E quando Lula, então candidato, assumiu o compromisso de manter o equilíbrio fiscal e monetário, entrou em cena então uma atriz dizendo que “tinha medo” de quem mudava de opinião. E agora, em 2010, fazem o mesmo com a Dilma, pré-candidata à sucessão presidencial: referem-se a ela como terrorista, guerrilheira, estatizante, autoritária e por aí vai.

Cria-se um boato aqui, um rumor ali, acusa-se acolá: tudo isso para tentar desestabilizar o governo, já que certos setores da imprensa, aliados a grupos políticos retrógrados, não aceitam os avanços econômicos e sociais que vêm sendo obtidos no governo Lula e que, para a sorte do povo brasileiro, devem ser mantidos no governo Dilma.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Desconhecimento ou desonestidade intelectual?

Existe um ditado popular que expressa muito bem o papel da oposição e de setores da mídia no Brasil, sobretudo em ano eleitoral – “tem gente que fala demais por não ter nada a dizer”. Não tendo uma pauta coerente de pontos passíveis de crítica ao governo Lula, setores conservadores da sociedade brasileira passam a propagar um discurso falacioso, impregnado pela velha fórmula de tentar disseminar o “medo” na população.

Desde o início de fevereiro, têm sido recorrentes nas páginas de diversos jornais do país notícias que dão a entender que “o programa de governo de Dilma (pré-candidata do PT à sucessão presidencial) é estatizante” e que “Dilma defende o Estado interventor na economia”. Alguns, ecoando as vozes da oposição desesperada, vão além, dizendo que “Dilma defende o Estado autoritário”.

Lembremo-nos que essas mesmas vozes que hoje, levianamente, dizem que Dilma defende o Estado autoritário e interventor, são as mesmas vozes que nos anos 90, quando chegaram ao poder, defenderam a implantação do Estado Mínimo, reproduzindo no Brasil o ideal da Terceira Via. Colocando em prática os ensinamentos de teóricos como Robert Nozick e Guy Sorman, os demo-tucanos iniciaram um processo de desmonte do Estado brasileiro.

Agora, comparemos: o Estado Mínimo, tão defendido pelos demo-tucanos e certos setores da imprensa brasileira, levou o Brasil a um processo vergonhoso de privatizações, onde setores estratégicos do país passaram às mãos da iniciativa privada a preço de banana. Não bastasse a onda de privatizações, o governo FHC esvaziou a importância dos bancos públicos, pretendendo coloca-los, caso houvesse tempo hábil, também na lista da privatização.

1º mito: Estado Forte é o mesmo que Estado Máximo
Ora, o governo Lula, ao qual muitos acusam de seguir a mesma política econômica de FHC, foi exatamente nesta contramão. Em primeiro lugar, rompeu-se com o neoliberalismo e com o mito de que o mercado, por si só, regula a economia. Decretou-se o fim dessa falácia teórica conhecida como Estado Mínimo. Cessaram-se as privatizações e ao mesmo tempo fortaleceu-se o papel do setor público como indutor e regulador do mercado.

Ou seja, estabeleceu-se um conceito de Estado Forte, capaz de induzir, por meio de parcerias com o setor privado, o investimento no país. E não é demais lembrar que, enquanto o resto do mundo amargava os efeitos da crise financeira do capitalismo, o Brasil mantinha-se forte: graças à atuação do Estado.

Para se ter uma idéia, enquanto no governo FHC o volume de créditos da Caixa Econômica Federal era de R$ 5 bilhões, em 2009, no governo Lula, houve um salto para R$ 45 bilhões. O BNDES, por sua vez, tinha um limite de financiamento no governo FHC de R$ 40 bilhões. Em 2009, o banco de fomento emprestou R$ 130 bilhões ao setor produtivo brasileiro.

Seria este um caso de Estado Máximo? Naturalmente, não. Segundo a literatura, Estado Máximo é aquele que controla toda a economia e interfere nas liberdades individuais – é, por que não dizer, uma forma de Estado autoritário. O que vimos ao longo desses últimos 8 anos foi um Estado mais presente sim, mas que em nenhum momento ameaçou intervir nas liberdades dos cidadãos brasileiros.

2º mito: Estado Forte é ineficiente economicamente
Entre os defensores do Estado Mínimo, há os que argumentam que qualquer interferência do Estado na economia provoca distorções, levando à ineficiência dos mercados. Esse foi um argumento amplamente apresentado pelos que defendiam as privatizações ao longo do governo FHC, tendo persistido até hoje nos meios conservadores.

A verdade é que exatamente o oposto: é a ausência do Estado que leva os mercados às imperfeições. Se não houver um mercado regulador, por exemplo, criam-se brechas para o fim da livre concorrência e o surgimento de monopólios ou oligopólios. Qualquer iniciante no estudo de Economia sabe que concorrência imperfeita é o maior exemplo de ineficiência da economia.

Além disso, quando o Estado adota uma postura de indutor do investimento, ele potencializa o setor privado, garantindo um maior crescimento econômico. A lógica é bem simples: se o Estado desenvolve uma política industrial que favoreça ao mesmo tempo o consumo das famílias e a produção das firmas, então o setor empresarial passará a investir mais em novas tecnologias, em contratações, criando, assim, um círculo virtuoso.


3º mito: Estado Forte é desculpa para aparelhamento
Um pouco na linha do segundo mito, os entusiastas do Estado Mínimo apregoam que quando o setor público amplia sua presença na economia, então cria-se um cenário de aparelhamento do Estado e inchaço da máquina. Mais uma falácia dos setores conservadores, que ao defenderam um Estado Mínimo querem também minimizar o número de professores, de médicos, de enfermeiros etc, pois acreditam que novas contratações poderiam causar “ineficiência” na economia.

Para se ter uma idéia, quando falamos de cargos comissionados, a relação no caso do governo federal é de 11 cargos comissionados para cada 100 mil habitantes. No caso do governo do Estado de São Paulo, defensor do Estado Mínimo, é de 31 cargos a cada 100 mil habitantes. E na Prefeitura de São Paulo, a relação chega a 45 cargos para cada 100 mil habitantes. Quem mesmo está inchando a máquina?


Percebe-se, dessa maneira, que Dilma, ao prosseguir o projeto iniciado com Lula, reafirma sim um papel do Estado Forte e não do Estado máximo ou do Estado autoritário, como muitos erroneamente gostam de afirmar. Erro esse que pode ser atribuído a duas causas: ou seus entusiastas são iletrados ou são intelectualmente desonestos.