quarta-feira, 28 de abril de 2010

Serra e a contradição do "Estado enxuto"

Se o grande músico Raul Seixas estivesse vivo, iriam recair sobre ele suspeitas de que fizera o hit “Metamorfose ambulante” para o atual pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. É que o ex-governador de São Paulo parece ter adotado para si o lema do seu guru político – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que disse certa vez “esqueçam tudo o que escrevi” – e segue agora, durante sua pré-campanha, tentando nas entrelinhas do seu discurso fazer o eleitor acreditar no bordão “esqueçam tudo o que eu disse”.

Ora, sabemos que desde sempre o discurso tucano pautou-se pela defesa do “Estado enxuto”. Uma das primeiras medidas do ex-sociólogo FHC, ao assumir a Presidência da República, foi justamente iniciar a chamada “Reforma do Estado”, que consistiu numa série de medidas no sentido de reduzir o número de ministérios e secretarias, dilapidar o patrimônio público através das privatizações das estatais e, consequentemente, desenvolver uma política de arrocho no funcionalismo público. Tudo isso, claro, para minimizar ao extremo o papel do Estado na economia.

Neste processo, Serra ocupou papel central, posto que na época era o todo poderoso ministro do Planejamento de FHC. E faz-se necessário salientar que essa política de enxugamento da máquina não foi uma peculiaridade do governo Fernando Henrique, mas sim uma marca constante de todas as gestões tucanas, fosse à frente de governos estaduais ou à frente de prefeituras. No próprio Estado de São Paulo, onde o tucanato está no comando desde 1994, com a eleição de Mário Covas, o discurso do “Estado enxuto” foi predominante na agenda política do governo estadual.

Serra declara que criará novos Ministérios
Mas o que nos chama atenção aqui é o seguinte fato: embora o ex-governador de São Paulo, José Serra, continue em boa parte dos seus discursos sustentando a idéia de que promoverá um enxugamento da máquina estatal, se eleito, em outras ocasiões ele se contradiz e anuncia a intenção de criar novos ministérios. Vejamos dois exemplos recentes. O primeiro deles ocorreu no dia 17 de abril, quando Serra esteve presente em uma feira de produtos voltados para pessoas com deficiência física. Na ocasião, Serra anunciou que criaria um Ministério extraordinário para portadores de deficiência física.

Não se pretende aqui passar a idéia de que não sejam necessárias políticas públicas mais assertivas para os deficientes físicos. Longe disso. O que se quer mostrar é uma incongruência no discurso do pré-candidato tucano: devemos acreditar no Serra que diz que vai enxugar a máquina pública ou no Serra que diz que vai criar um novo ministério para portadores de deficiência física? Sim, porque os discursos de redução de tamanho do Estado e de ampliação de ministérios são excludentes entre si. Ou se opta por um caminho ou pelo outro.

Mas não é só isso: na entrevista concedida ao jornalista José Luiz Datena, na segunda-feira, 26, Serra declarou a sua intenção em criar um Ministério de Segurança Pública, tirando do Ministério da Justiça a tarefa de elaboração de políticas públicas voltadas à segurança. Mais uma vez, o tucano apresenta um discurso contraditório e nos faz pensar: terá Serra abandonado oportunamente o discurso de “enxugar a máquina estatal” ou será que a criação de tais ministérios não passa de promessas vazias de uma campanha que tem dificuldades em encontrar o próprio tom?

O mais engraçado em tudo isso é que a grande imprensa, a serviço do demo-tucanato, não enxerga essas contradições no discurso de Serra ou, colocando de uma forma mais realista, “prefere não enxergar” essas incongruências. E, valendo-se de uma tática totalmente desonesta, a grande imprensa atribui ao governo Lula um “inchaço” da máquina pública. E devemos salientar aqui o seguinte: houve, sim, um aumento da contratação de funcionários públicos no governo Lula. O porquê disso? Porque havia demanda!

Cargos comissionados são proporcionalmente maiores em SP
Até o momento, o governo Lula construiu 13 novas universidades federais, hospitais e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), bem como diversos centros de ensino profissionalizante. O que isso quer dizer? Significa que o governo federal precisava contratar mais professores, mais médicos, enfermeiros, assistentes sociais etc, para responder à demanda social que havia! E isso é importante que seja destacado, porque quando os demo-tucanos dizem que vão “enxugar o Estado”, eles estão afirmando, nas entrelinhas, que não vão contratar os profissionais que a sociedade necessita e vão “arrochar”, como no governo FHC, os servidores já contratados.

Há quem, neste ponto, venha com a seguinte afirmação: “sim, mas Lula também expandiu o número de cargos comissionados”! Exatamente: é verdade isso! Mas também devemos nos lembrar quando Lula assumiu a presidência da República, verificou que havia uma série de demandas urgentes que precisavam ser solucionadas. Criou então o Ministério das Cidades, a Secretaria Especial da Pesca e Aqüicultura (que hoje em dia é Ministério), a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria da Igualdade Racial, a Secretaria Especial da Mulher etc.

Tudo isso foi criado para agilizar a solução de demandas urgentes da sociedade brasileira e, naturalmente, era necessário a expansão dos cargos comissionados, pois uma simples realocação dos funcionários já existentes não bastaria, dada a quantidade de tarefas a desempenhar. O mais interessante de salientarmos aqui é o seguinte: mesmo com toda essa expansão, o governo federal hoje tem 11 cargos comissionados a cada 100 mil habitantes. Jogando esse número assim, fica difícil estabelecermos se ele é alto ou baixo. Que tal utilizarmos como parâmetro essa mesma relação para o governo estadual de Serra em SP?

No governo de SP, quando Serra esteve à frente (2007-2010), existiam 31 cargos comissionados a cada 100 mil habitantes: ou seja, quase o triplo da proporção apresentada pelo governo federal. E coloquemos a seguinte observação: neste período, Serra não fez alterações na estrutura administrativa do Estado que requisitassem, à primeira vista, esse número de cargos de confiança. Na Prefeitura de São Paulo, por sua vez, na gestão Serra/Kassab, o número de cargos comissionados é ainda maior: de 45 a cada 100 mil habitantes. Ora, com toda a complexidade pertinente ao governo do Estado de SP e à Prefeitura da maior cidade do país, ainda assim é difícil entender porque esses governos têm mais cargos de confiança que o governo federal, proporcionalmente!

O que se vê aqui, portanto, é uma incongruência gritante entre a prática e o discurso do pré-candidato José Serra. E mais: dentro do próprio discurso do tucano, existem contradições que devem ser destacadas, a fim de que os eleitores brasileiros não caiam no conto do “administrador eficiente”. Afinal de contas, uma “metamorfose ambulante” só é boa no universo musical: na administração pública – principalmente, no mais importante cargo público do país – precisamos de governantes que sejam realmente comprometidos com o projeto que defendem!

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