terça-feira, 15 de junho de 2010

Ao El País, FHC critica Lula por "governar mais com coração do que com a cabeça"

Incrível a capacidade que tem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para dizer impropérios, especialmente contra o governo Lula. Movido talvez por uma vaidade ferida, pelo fato de Lula ter conseguido avanços consideráveis no Brasil que ele próprio não conseguiu, FHC parece uma “metralhadora giratória”, disparando seu discurso falacioso e cheio de ressentimento contra o presidente Lula. Desta vez, o ex-presidente e ex-sociólogo disparou suas críticas em uma entrevista dada ao jornal espanhol El País, publicada na edição desta terça-feira, 15.

FHC voltou a criticar a política externa brasileira, sobretudo no que se refere à questão do Irã e do relacionamento do Brasil com países latino-americanos, como Bolívia, Venezuela e Cuba, deixando transparecer nas entrelinhas de suas frases a política que o ex-presidente realmente defende, a saber, a da submissão ante os países desenvolvidos. Sobre a questão iraniana, FHC mostrou que não anda lendo muito sobre a diplomacia brasileira, uma vez que declarou que o Brasil não exigiu garantias suficientes do Irã em relação à finalidade pacífica de seu programa nuclear. Ora, será que por acaso o ex-sociólogo não leu os termos do acordo assinado por Brasil, Turquia e Irã no mês passado em Teerã?

Além disso, o ex-presidente sugeriu que o Brasil deve deixar mais claro os seus valores de “paz e democracia”. Será que FHC prestou atenção na tamanha incoerência entre o seu discurso e os fatos reais? Ao pressionar os países desenvolvidos, como Estados Unidos, União Européia e Rússia, quanto à necessidade de se chegar a uma solução via diálogo para a questão iraniana, o presidente Lula mostrou exatamente os valores da diplomacia brasileira. Ou será que “paz e democracia” para o ex-sociólogo significam aumentar as sanções sobre o Irã? O ex-presidente também aproveitou a entrevista para criticar uma suposta “leniência” da política externa de Lula com os países vizinhos, como Venezuela, Bolívia e Cuba.

Não bastasse isso, FHC ainda disse que Lula “tem governado mais com o coração do que com a cabeça”. De certa forma, as críticas do ex-presidente são muito bem vindas, pois politizam o debate e mostram que ele e o seu candidato à Presidência da República, José Serra, dariam um rumo totalmente diferente à política brasileira caso reassumissem o governo. É importante que essas diferenças entre o modo de governo de FHC/Serra e de Lula/Dilma sejam evidenciadas, mostrando que Serra não dará continuidade ao governo Lula caso seja eleito e acabando, assim, com essa farsa do “Serra pós-Lula” que a oposição tem insistido. Sem dúvida nenhuma, FHC deveria falar mais vezes, acentuando as diferenças entre o projeto tucano e o projeto vitorioso do governo Lula.

Abaixo a íntegra da entrevista dada pelo ex-sociólogo ao El País:

El País: Qual a imagem que o Brasil deve passar para o mundo?
FHC: O Brasil terá cada vez mais influência, não há dúvidas. Mas não necessita de armas atômicas nem de um PIB espetacular para ser respeitado, mas sim uma ação internacional que tenha um caráter propositivo, e não apenas impositivo. Devemos ampliar a influência segundo nossos valores, que são a paz e a democracia. É isto que eu creio que Lula deve deixar mais claro. Somos um país de paz e democrático, e estes valores são os que nos garantirão um lugar mais importante no mundo.

El País: Qual a sua opinião sobre a atuação brasileira na crise iraniana?
FHC:
Creio que Lula deveria ter pedido ao Irã a garantia de que o desenvolvimento de seu programa nuclear será para fins pacíficos. O Brasil é favorável ao controle do ciclo de produção do urânio por parte da comunidade internacional. Eu estou de acordo com isso, o Brasil o controla. Temos um acordo com a Argentina de vigilância mútua referendado pela ONU e graças a isso temos desenvolvido nossa própria tecnologia. Nunca ninguém suspeitou que nosso programa atômico era para guerra. Não somente porque a Constituição Brasileira proíbe ter uma bomba atômica, mas sim porque nós temos nos submetido às regras. O Brasil deveria exigir o mesmo do Irã. Ele [Irã] deve ter a liberdade para desenvolver o seu programa mas cabe a Teerã dar as garantias de que não será para uso militar. Eu insisto, não critico o gesto do Brasil, mas sim a insuficiência do gesto, porque não pediu ao Irã as garantias suficientes.

El País: Como o sr. vê a política do Brasil em relação a Cuba?
FHC:
Lula se equivocou ao não se solidarizar com um preso político [o presidente brasileiro chegou a Havana horas após a morte do dissidente Orlando Zapata, em 23 de fevereiro deste ano]. Ele [Lula] sabe melhor que ninguém o que nos custou a democracia no Brasil. Foi um momento diplomático crítico, eu reconheço, mas não dizer nada é quase justificar essa morte... e isso não pode ser. Sempre tivemos uma relação correta com Cuba. Sempre nos posicionamos contra o embargo, mas isso não significa que não se possa dizer que eles estão equivocados. Tem que dizer: “o que é isso, companheiro?”... Creio que nos últimos seis meses Lula tem atuado mais com o coração do que com a cabeça.

El País: O que o sr. teria feito?
FHC: O Brasil pode ter um papel pedagógico no que se refere à democracia na América Latina. É claro que tenhamos uma posição de diplomacia e de não-ingerência, mas acima de tudo sempre estão esses valores de paz e dos direitos civis. A Bolívia, por exemplo, é um país pobre e com um passado muito injusto. Compreendo as razões que levaram Evo Morales ao poder. Mas as formas de agir que ele tem adotado são próprias da Guerra Fria. Por que expropriar a Petrobras? Por que não negociar o preço do gás natural ou inversões por parte da estatal brasileira? Agora perdemos todos. A Bolívia provavelmente venderá menos gás no futuro e o Brasil terá que o buscar em outra parte. Lula é um homem muito conciliador, Morales poderia ter negociado com ele o que quisesse. Na Venezuela se passa a mesma coisa: a retórica do presidente [Hugo] Chávez tem se radicalizado a um ponto que não dá pra retornar. Lula é muito indulgente com Chávez. Eu também fui, mas ele é muito mais. A região recuperou sim a estrutura da democracia, mas não a alma da mesma. Ainda há muito o que fazer para que haja igualdade perante a lei e igualdade de oportunidades.

El País: O sr. e Lula demonstram ter um caráter conciliador. Mas os dois candidatos favoritos para as eleições de outubro têm fama de duros...
FHC:
José Serra é um político duro e Dilma Rousseff creio que mais dura ainda. Conheço menos Dilma do que Serra: ele foi meu ministro e sigo em permanente contato com ele. É um homem muito determinado, um bom gestor e tem uma grande vocação para o serviço público. É também um grande latinoamericanista. E não somente por seus ideais, mas sua esposa é chilena e sua mãe argentina. Tem um conhecimento transversal e muito profundo da região. Fala espanhol melhor do que eu.

El País: Por exemplo, como teria atuado Serra na questão hondurenha?
FHC: Serra teria respeitado as eleições em que ganhou Porfírio Lobo e não haveria nenhum boicote para que Honduras participasse da última cúpula União Européia-América Latina em Madrid. Esse gesto foi o que chamamos de uma saudação a bandeira, quer dizer, a nada. Os golpes de Estado são injustificáveis e sua condenação uma obrigação. Mas creio que o progressismo da região tem se voltado demasiadamente em favor do presidente Manuel Zelaya,quando talvez nenhum dos partidos hondurenhos, nem o que estava nem o que está, são progressistas.

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