terça-feira, 1 de junho de 2010

A continuidade e a experiência no centro do debate da disputa presidencial



A disputa pelo Palácio do Planalto entra no mês de junho em uma situação de empate técnico entre a pré-candidatura governista e a da oposição, com Dilma Rousseff (PT) ligeiramente à frente de José Serra (PSDB) dentro da margem de erro das pesquisas. Esse quadro decorre, basicamente, de um forte crescimento da petista e de uma estagnação do tucano, acentuadas, sobretudo, nas últimas semanas. É interessante notar, ainda, que pouco a pouco as eleições começam a ganhar um maior espaço no dia-a-dia do eleitorado, o que se faz sentir pelos maiores graus de conhecimento das pré-candidaturas e também pelas imagens fixadas pelos eleitores em relação aos pré-candidatos.

No tocante a esta questão, percebemos claramente que até o presente momento os eleitores têm diferenciado os dois principais postulantes à Presidência da República de acordo com dois critérios: o da continuidade do governo Lula (que segue em níveis recordes de aprovação) e o da experiência política. Neste sentido, pesquisas de intenção de voto e opinião pública indicam que os eleitores tendem a identificar mais Dilma com a continuidade do governo Lula, enquanto associam a Serra a imagem de mais experiente. Ou seja: até aqui a eleição, ainda em fase de pré-campanha, caminha para um embate entre a continuidade do governo Lula ou a experiência política, o que faz com que as coordenações de campanha já atuem em torno dessa constatação.

Enquanto a candidatura de Dilma reforça a idéia da continuidade do governo Lula, a candidatura demo-tucana se esforça para trazer à arena política o debate em torno dos currículos dos pré-candidatos, apostando nessa imagem de “maior experiência” que o eleitor médio tem colado até o momento a José Serra. Mas cabe aqui a pergunta: até que ponto esse embate em torno de continuidade ou experiência de fato existe? Colocando de uma outra forma: até que ponto dá para a oposição construir sua estratégia no jogo político apostando unicamente na “maior experiência” de José Serra? É o que procuraremos responder nas linhas a seguir.

Por que maioria vê Serra como mais experiente?
De acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha entre os dias 20 e 21 de maio, 64% dos entrevistados afirmaram que Serra é o candidato mais experiente, enquanto apenas 17% avaliaram que Dilma tem maior experiência. Colocados dessa forma, os números não nos dizem grande coisa, pois uma análise real só é feita se contextualizarmos esses dados, levando em conta aspectos como o grau de conhecimento dos eleitores sobre cada um dos pré-candidatos, por exemplo. E quando fazemos esse exercício, podemos facilmente visualizar um motivo para que Serra seja identificado pelos eleitores como o mais experiente.

A mesma pesquisa Datafolha que revela que a grande maioria dos eleitores considera Serra como o mais experiente, também mostra que o tucano é bem mais conhecido pelo eleitorado do que a petista, o que naturalmente explica o fato dos eleitores avaliarem o ex-governador de São Paulo como mais experiente que a ex-ministra. Neste sentido, segundo os números do Datafolha, apenas 15% dos entrevistados declaram que conhecem muito bem a petista, contra 34% que conhecem muito bem o tucano. Já 35% dos entrevistados afirmaram que conhecem “um pouco” Dilma, contra 34% que conhecem “um pouco” Serra. Ou seja, Serra ainda é bem mais conhecido que Dilma, sendo natural por isso que os eleitores o vejam como mais experiente.

Outra questão que cabe ser levantada aqui se relaciona ao conceito de experiência formado pelo eleitor. De antemão, podemos supor que o eleitor médio entende “experiência” como uma resultante de dois vetores: a experiência em disputas eleitorais (que dá maior visibilidade ao candidato) e a experiência administrativa. Não é preciso um grande exercício de lógica para entender que esses dois vetores impactam sobre o grau de conhecimento dos candidatos pelos eleitores e, a partir daí, na formação da imagem de “experiente” na cabeça do eleitorado. Contudo, essa imagem de experiência, num contexto em que a esmagadora maioria dos eleitores não conhece bem um dos candidatos, é muito frágil, pois pode ser facilmente revertida no decorrer da campanha.

No que diz respeito ao primeiro tipo de experiência – com vetor eleitoral – de fato Serra tem uma maior “quilometragem” que Dilma, uma vez que já concorreu a cargos eletivos em diversas ocasiões, ao passo que a ex-ministra concorre pela primeira vez a um cargo eletivo. Mas isso não quer dizer nada (e o eleitor sabe disso), pois se a experiência eleitoral fosse de fato preponderante, a cadeira presidencial não deveria ser ocupada nem por Serra nem por Dilma, mas por um político como o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP), que disputa uma eleição atrás da outra desde sua época do Grêmio Politécnico e acumula muito mais eleições disputadas do que Dilma e Serra juntos.

Logo, percebemos que na imagem de “experiência” formada pelo eleitor médio, o que é levado mais em conta é a experiência administrativa. E aí está a grande fragilidade da estratégia de Serra em se apoiar apenas no quesito experiência, pois à medida que Dilma vai se tornando mais conhecida o eleitor vai sendo informado sobre sua experiência na vida pública. Ora, sabemos que o tucano e a petista, embora tenham iniciado sua militância política praticamente na mesma época, durante os anos 60, eles tomaram trajetórias distintas. Enquanto Serra retomou sua vida pública nos anos 80, galgando diversos cargos eletivos (deputado constituinte, senador, prefeito e governador) e também atuando como Ministro do Planejamento e da Saúde no governo FHC, Dilma desde os anos 80 atua em cargos administrativos de primeiro escalão.

Desejo de continuidade do governo Lula tem maior peso
Ou seja: é falacioso dizer que Dilma não tem experiência na vida pública, pois ela tem uma larga experiência administrativa e isso tende a ser mais compreendido pelo eleitor médio à medida que a petista for se tornando mais conhecida. Verificamos aí, portanto, que com o início da campanha eleitoral, em 5 de julho, e especialmente após o início da propaganda partidária de rádio e TV, é bastante possível que essa imagem de um Serra “mais experiente” que Dilma seja revertida ou ao menos minimizada, já que ambos os pré-candidatos possuem experiência administrativa, que foi acumulada por eles em diferentes trajetórias da vida política.

Percebemos nessa altura que a atual dualidade de critérios na escolha do voto, a saber a experiência dos candidatos e o desejo de continuidade do governo Lula, pode facilmente ceder lugar apenas a um único critério no decorrer da campanha, que é justamente o de continuidade do governo Lula. E aí Dilma sem dúvida leva a melhor, pois segundo o Datafolha 71% dos entrevistados associam ela ao apoio do presidente Lula, ao passo que apenas 5% dos entrevistados fazem essa mesma associação em relação a Serra. É interessante ressaltar que, segundo recente pesquisa CNT/Sensus, 54,6% dos entrevistados vêem Dilma como continuidade do governo Lula, enquanto apenas 25,9% acreditam que Serra pode dar continuidade ao atual governo.

Sem contar que para 44% dos entrevistados pelo instituto Sensus em maio, o principal critério de voto são os benefícios econômicos e sociais, ou seja, a continuidade do governo Lula, ao passo que apenas 34,9% têm como principal critério a comparação de currículos. O que podemos contatar aqui é que o atual embate entre continuidade e experiência tende a ser diluído ao longo da campanha, uma vez que tanto Serra quanto Dilma têm experiência administrativa. Logo, experiência não é o diferencial entre os dois pré-candidatos. O embate recai então sobre o critério de continuidade do governo Lula e é exatamente aí que se encontra a grande diferença entre Dilma e Serra, pois os pré-candidatos representam projetos bastante distintos. Caminhamos, portanto, para uma eleição onde fica cada vez mais evidente o peso do desejo do eleitor em relação à continuidade do governo Lula.

Um comentário:

  1. Ou seja, derrubado o falso argumento, a disputa recai no que sempre foi, desde o início, uma disputa de projetos.
    Bom texto.

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