quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mudança na distribuição dos royalties do petróleo: justiça ou franciscanismo eleitoreiro?

Ano eleitoral é extremamente propício a todo tipo de demagogia por parte de certos setores. Na madrugada desta quinta-feira, 10, os brasileiros assistiram a mais um tipo de atitude demagógica por parte do Senado, que aprovou por 41 votos contra 28 uma emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) que altera a atual forma de distribuição dos royalties do petróleo entre os estados brasileiros. A votação desta emenda se deu no âmbito das discussões em torno do pré-sal, que se estenderam por todo o dia durante a última quarta-feira. No final, o Senado aprovou a instituição do regime de partilha, o Fundo Social do Pré-Sal e por último esta emenda que altera a distribuição dos royalties do petróleo.

Antes de tudo, para evitar confusões no entendimento, é preciso que se explique a diferença entre regime de partilha e partilha (ou distribuição) dos royalties. A mudança do regime de contratação para exploração e produção – que passa de concessão para partilha – é extremamente benéfica para o país, uma vez que passa de empresas internacionais para empresas estatais (como a Petrobras) os direitos de exploração e produção do petróleo brasileiro. Quando foi instituído, em 1997, o regime de concessão fazia todo sentido no contexto político e econômico da época, uma vez que o país buscava a auto-suficiência e a Petrobras não tinha condições plenas de financiamento de atividades deste porte.

Contudo, com a auto-suficiência do petróleo conquistada e a melhora substancial das condições financeiras da Petrobras, não faz mais sentido manter o regime de concessão, em que as empresas concessionárias, às quais são dados os direitos de exploração e produção do petróleo em campo brasileiro, lucram muito mais que o Brasil, detentor do petróleo. Assim, a aprovação do regime de partilha é totalmente adequada à nova realidade do país, decorrente sobretudo da descoberta dos campos de Pré-Sal, que possuem um baixíssimo risco e uma elevadas rentabilidade (diferentemente do cenário de 1997). Até aí tudo excelente. Porém, o problema começa quando o Senado aprovou uma emenda que muda a configuração da distribuição dos royalties do petróleo entre os estados, como veremos a seguir.

Estados e municípios produtores têm maior parte dos royalties
Os royalties nada mais são do que um direito constitucional de compensação financeira dado aos entes federativos pela exploração econômica de uma determinada riqueza mineral ocorrida em seus limites territoriais. Eles não constituem uma novidade da Constituição de 1988, já que estavam previstos desde 1953 na lei que criou a Petrobras, instituída pelo então presidente Getúlio Vargas. Essa lei determinava que a estatal destinasse um valor de 5% de sua produção terrestre de petróleo para os Estados, que ficariam com 4%, e municípios, com 1%, onde houvesse a exploração. A partir de 1968, contudo, se iniciou também a exploração e produção de petróleo em alto mar, de forma que, em 1985, com o início das operações do poço de Marlim, na bacia de Campos, os royalties passam a valer também para produção marítima.

As regras aprovadas em 1985 mantiveram o percentual de 5% pago em royalties, que passaram a ser distribuídos da seguinte forma: 1,5% para os Estados confrontantes (produtores), 1,5% para os municípios confrontantes, 1% ao Ministério da Marinha e 1% para constituir um Fundo Especial, cujos recursos seriam distribuídos entre todos os estados e municípios da federação. A Constituição de 1988 praticamente manteve esse sistema de distribuição, estabelecendo apenas mudanças pontuais, mas que não alteraram significativamente o mapa a distribuição dos recursos dos royalties do petróleo. Contudo, em 1997, com o processo de fim do monopólio da exploração e produção do petróleo, houve uma alteração no sistema de distribuição dos royalties.

A primeira grande alteração diz respeito ao aumento da alíquota dos royalties, que passou de 5% para 10% do valor total da produção. Vale destacar que contudo a ANP (Agência Nacional do Petróleo) poderia reduzir para até 5% a alíquota dos royalties, levando em conta critérios como risco geológico, expectativa de produção etc. Dessa maneira, a nova lei instituiu uma parcela fixa de royalties, de 5%, comum a todos os poços explorados e uma parcela variável (que vai de 0 a 5%), somada à anterior e aplicada aos poços mais produtivos. Ou seja, a parcela mínima dos royalties é de 5% e a máxima de 10%, variando conforme as características de risco e produção do poço.

No caso da parcela fixa dos royalties, a distribuição é feita da seguinte forma: 60% para Estados e Municípios produtores (metade para cada um), 10% para instalações, 20% para Marinha e 10% para o Fundo Especial da União, que é dividido entre todos os estados e municípios da Federação. Já no caso da parcela variável, Estados e Municípios produtores recebem 45% dos recursos (metade para cada um), instalações 7,5%, a Marinha 15%, o Ministério da Ciência e Tecnologia 25% e o Fundo Especial da União, 7,5%. Dessa maneira, considerando-se o pagamento de 10% em royalties, estados e municípios produtores ficam com 52,5%, instalações com 8,75%, Marinha com 17,5%, MCT com 12,5% e o Fundo Especial da União com 8,75%.

É importante destacar que a Lei do Petróleo, de 1997, também criou a chamada Participação Especial, que consiste em um percentual, definido pela ANP, sobre a produção que se aplica aos poços com maior produtividade e onde os riscos associados à produção são menores. Estes recursos da Participação Especial são exclusivos dos Estados e Municípios confrontantes e não entram na conta do Fundo Especial para distribuição federativa. A distribuição é feita da seguinte forma: 40% para os Estados produtores, 10% para os municípios produtores, 40% para o Ministério das Minas e Energia e 10% para o Ministério do Meio Ambiente. Dessa maneira, desde 1997 a distribuição dos royalties do petróleo vem sendo feita desta maneira, dentro de preceitos totalmente constitucionais.

Texto aprovado no Senado “quebra” entes produtores
O texto aprovado na madrugada de quinta-feira no Senado, contudo, estabelece uma mudança nessa forma de partilha dos royalties do petróleo, prejudicando sobremaneira os estados e municípios produtores. A proposta do senador Pedro Simon retira dos estados e municípios confrontantes de áreas produtoras no mar os royalties e participações especiais que recebem hoje (52,5% de todos os royalties) e manda redistribuir os recursos a todos os estados e municípios, nas mesmas proporções estabelecidas nos fundos de participação em vigor. O projeto determina ainda que a União ficará com 40% dos royalties e os municípios afetados por operações de embarque petrolífero com outros 7,5%.

Embora a medida pareça, à primeira vista, “justa”, ela não é. Vamos entender: um município ou estado produtor de petróleo passa a receber grandes fluxos migratórios para a região, uma vez que pessoas de outras regiões buscam ali melhores empregos e condições de vida. Esse efeito colateral decorrente das atividades de exploração e produção de petróleo exigem do poder público local investimentos para acomodar essa população recém-chegada: é preciso aplicar recursos em educação, saúde, transporte, saneamento básico, habitação etc. Como esses recursos não estavam previstos em orçamentos anteriores, feitos dentro de um contexto populacional menor, é preciso que eles venham de algum outro lugar: e os royalties do petróleo dão essa solução para estados e municípios produtores.

Além disso, há que considerar o fato dos impactos territoriais causados no espaço geográfico das áreas produtoras, que devem ser compensados de alguma maneira pelos royalties. Ora, um estado que não é produtor de petróleo naturalmente não enfrenta esse tipo de questão, pelo menos não em decorrência das atividades petrolíferas. Logo, não é justo que eles recebam a mesma quantia de royalties que um estado produtor, que deve, por tudo que já foi exposto até aqui, ser mais compensado financeiramente pela exploração do petróleo. Para entendermos melhor o impacto que essa alteração proposta pode provocar nas contas dos estados produtores, peguemos o estado do Rio de Janeiro, que produz a esmagadora maioria do petróleo brasileiro e, por isso, é o que mais recebe royalties.



Em 2009, o Rio de Janeiro recebeu R$ 7,5 bilhões em royalties de petróleo (somados aqui os recursos dos royalties e da participação especial). Se a nova regra aprovada pelo Senado entrar em vigor, isso representa uma perda de receita para o estado de R$ 7,3 bilhões por ano, o que é um absurdo, uma vez que os estado praticamente “quebra”, já que os recursos dos royalties já fazem parte da previsão orçamentária. Devemos lembrar que todo saneamento das finanças do Rio de Janeiro foi feito levando-se em conta essa quantia recebida em royalties, de forma que se não contar mais com esse dinheiro, a administração pública do terceiro maior estado do país entra em colapso! Ou algum senador que aprovou essa medida absurda espera que o Estado do Rio sobreviva com royalties de R$ 230 milhões ao invés dos R$ 7,5 bilhões anteriores?


O que se vê dessa maneira é que não existe justiça nesta distribuição equânime dos royalties do petróleo, como propõe parte dos senadores. Pelo contrário, existe uma grande de uma injustiça: pois estados que não são nem um pouco impactados pela exploração de petróleo passam a receber a mesma coisa que aqueles que têm que arcar com todo impacto. A atitude dos senadores que votaram a favor dessa proposta é totalmente descabida e fruto de um sentimento de “franciscanismo eleitoreiro”, já que o que eles pretendem é agradar suas bases com recursos alheios. Isso não pode ser admitido dentro do pacto federativo, já que é a velha história de fazer caridade com chapéu alheio.

Felizmente, o presidente Lula sinalizou que irá vetar essa decisão do Senado, até mesmo porque essa forma de distribuição dos royalties é anti-constitucional, pois fere frontalmente artigos constitucionais que garantem compensações financeiras maiores para os estados e municípios confrontantes. É preciso que esse veto de fato aconteça, pois é inadmissível que uma medida eleitoreira de senadores prejudique os estados e municípios produtores de petróleo, que simplesmente “quebram” se as novas regras passarem a valer.

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