domingo, 4 de julho de 2010

FHC e a retórica do espelho

É impressionante a facilidade que tem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em expor idéias que contradizem realidade e teoria. Sem ter algo consistente para falar contra o governo Lula, FHC acaba por dizer qualquer coisa: e o problema é que essa “qualquer coisa” dita pelo ex-sociólogo não encontra sustentação prática e o seu discurso cai na retórica fácil, movida por uma grande vaidade que parece lhe cegar o entendimento. Em seu artigo Eleição sem maquiagem, publicado pelo jornal Estadão neste domingo, 4, FHC não resiste e cai novamente na tentação de querer colocar no governo uma carapuça que não serve a Lula ou Dilma, mas sim à própria oposição.

Vejamos: o ex-presidente, sem ter algo concreto para criticar no Brasil, vai buscar no exterior o fio condutor para a sua argumentação, que mais parece um devaneio político. Começando pela dificuldade que os países desenvolvidos têm enfrentado para superar a crise econômica mundial, o ex-presidente parece tomar para si a profética missão de anunciar um futuro nebuloso para o Brasil: “mas, barbas de molho, as notícias que vêm do exterior, e não só da Europa, mas também da zigue-zagueante economia americana e da letárgica economia japonesa, afora as dúvidas sobre a economia chinesa, não são sinais de uma retomada alentadora”.

E FHC segue seu artigo dizendo que “vive-se no Brasil oficial como se nos tivéssemos transformado numa Noruega tropical”. Assumindo um tom irônico, o ex-sociólogo inicia suas críticas ao governo Lula: “a pobreza existia na época da ‘estagnação’. Agora assistimos ao espetáculo do crescimento, sem travas, dispensando reformas e desautorizando preocupações. Se no governo Geisel se dizia que éramos uma ilha de prosperidade num mundo em crise, hoje a retórica oficial nos dá a impressão de que somos um mundo de prosperidade e o mundo, uma distante ilha em crise. Baixo investimento em infraestrutura? Ora, o PAC resolve. Receio com o aumento do endividamento público e o crescente déficit previdenciário? Ora, preocupação com isso é lá na Europa. Aqui, não. Afinal, Deus é brasileiro”.

A ironia de FHC confunde-se com sua própria vaidade, atingida em cheio pelas realizações do governo Lula, que, sem dúvida nenhuma, foram muito maiores que as do seu período presidencial. Caso as realizações de Lula não tivessem sido tão grandes, como FHC explicaria uma aprovação do governo em níveis superiores aos 75%? Pior, será que a vaidade do ex-sociólogo chega ao ponto dele achar que 75% dos brasileiros estão sendo enganados pelo governo Lula e que ele, o grande sábio da nação, é que mais uma vez está correto? O que o ex-presidente quer tratar como ironia trata-se da mais pura verdade:o Brasil voltou a tomar o rumo do desenvolvimento econômico e também social, já que o crescimento econômico, ao contrário de épocas anteriores, se dá com distribuição de renda.

A ironia oriunda da vaidade ferida
E essa não é a opinião cega de um governo ou de um partido, mas sim da maioria da população brasileira. Além do mais, basta o ex-presidente tomar o cuidado de checar as estatísticas do país para verificar que nestes quase oito anos de governo Lula houve uma grande transformação, em todas as áreas da economia e da sociedade. O Brasil está exportando mais, nossa balança comercial apresenta sucessivos superávits (nos oito anos de governo FHC, a balança comercial foi deficitária em seis), a geração de empregos formais atinge níveis recordes, regiões que anteriormente eram preteridas na formulação de políticas de desenvolvimento, hoje são beneficiadas. Enfim, são inúmeras as transformações pelas quais o Brasil está passando, de modo que não há “maquiagem” como FHC insinua.

O ex-sociólogo segue dizendo que “infelizmente, estamos às voltas com distrações. Um cântico de louvor às nossas grandezas, de uma falta de realismo assustador. Embarcamos na antiga tese do Brasil potência e, sem olhar em volta, propomo-nos a dar saltos sem saber com que recursos: trem-bala de custos desconhecidos, pré-sal sem atenção ao impacto do desastre no Golfo do México sobre os custos futuros da extração do petróleo, capitalização da Petrobrás de proporções gigantescas, uma Petro-Sal de propósitos incertos e tamanho imprevisível. Tudo grandioso. Fala-se mais do que se faz”. Aqui fica claro que enquanto o governo Lula canta o “cântico de louvor às nossas grandezas”, FHC quer cantar o “cântico do atraso”, pois pelo que se pode depreender, o ex-presidente questiona projetos importantes para o país, como o trem bala, o pré-sal e a própria capitalização da Petrobras.

É bom que se lembre aqui que FHC e os tucanos como um todo nunca acreditaram na Petrobras. Para eles, a estatal é um ônus e não um bônus. Basta rememorar a tentativa (felizmente frustrada) do governo FHC de tentar trocar o nome da Petrobras para PetrobraX, ensaiando uma posterior internacionalização do capital da empresa. Agora, imagine o leitor se o capital da Petrobras tivesse sido internacionalizado como queriam os tucanos. De quem seria a maior parte dos recursos do pré-sal? Certamente não seria do Brasil. É importante que se bata nesta tecla para que se compreenda como o “cântico do atraso” entoado por FHC, Serra e seu grupo político pode comprometer o desenvolvimento do Brasil. O ex-sociólogo mais uma vez deixa escorrer pelas entrelinhas do seu discurso que sua preocupação é tão somente fazer caixa, agindo com total irresponsabilidade ao secundarizar o desenvolvimento social no país.

A maquiagem eleitoral de Serra
E como era de se esperar FHC utilizou toda essa retórica vazia para chegar ao ponto que realmente ele queria: as eleições presidenciais de outubro. Segundo o ex-sociólogo, “a encenação para a eleição de outubro já está pronta. Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica, dirá tudo o que se espera que diga, especialmente o que o ‘mercado’ e os parceiros internacionais querem ouvir. Mas a própria candidata já alertou: não é um poste. E não é mesmo, espero. Tem uma história, que não bate com o que se quer que ela diga. Cumprirá o que disse?”. O ex-presidente segue afirmando que Dima “não pode dizer o que pensa para não pôr em risco a eleição. Estamos diante de uma personagem a ser moldada pelos marqueteiros. Antigamente, no linguajar que já foi da candidata, se chamava isso de alienação”.

Este trecho do artigo de FHC é particularmente engraçado, já que o ex-presidente quer vestir, agora em Dilma, uma carapuça que serve muito mais a Serra, o candidato tucano. Afinal de contas o “personagem a ser moldado pelos marqueteiros” nesta eleição é o ex-governador de São Paulo. A petista pode dizer o que pensa, pois ela pensa exatamente igual o presidente Lula: tanto que nos últimos cinco anos e meio, Dilma esteve à frente dos principais projetos do governo Lula. Logo, não há motivações para que a candidata do PT esconda o que pensa. Isso tem ficado bastante claro nas entrevistas da petista: ela sempre destaca que o seu governo será de continuidade, não como um simples cópia, mas com avanços. Por outro lado, o candidato da oposição que está encarnando um personagem neste processo eleitoral.

Primeiramente, não é conveniente que Serra dirija duras críticas ao governo Lula (por mais que as tenha), haja vista o elevado grau de popularidade do nosso presidente. Em segundo lugar, a tática de apresentar Serra como uma pseudo-continuidade de Lula mostrou-se infrutífera ao longo da segunda etapa da pré-campanha (entre os meses de abril e maio deste ano). Posto isso, o candidato tucano fica perdido entre criticar ou poupar o governo Lula, o que acaba por fazer com que Serra esconda a sua verdadeira face. É importante que seja salientado isso: Dilma não precisa esconder o que pensa, já Serra precisa. Logo, o “personagem moldado pelos marqueteiros”, fazendo uso da expressão utilizada por FHC, não é Dilma, mas sim o próprio candidato do ex-sociólogo. Por fim, o ex-presidente encerra o seu artigo dizendo que “está na hora de cada candidato, com a alma aberta e a cara lavada, dizer ao País o que pensa”.

E neste ponto não há como discordar de FHC: seria de fato excelente que cada um dos candidatos dissesse abertamente aos eleitores o que pensa. Dilma já está fazendo isso. Aliás, ela sempre fez. Resta, agora, que Serra faça o mesmo, pois o candidato dos comerciais e inserções de TV não é o Serra verdadeiro e sim a “criatura” produzida nos laboratórios de marketing da campanha tucana para tornar o “produto” mais “vendável”. Toda a “maquiagem” que FHC acusa a campanha de Dilma de estar usando, na verdade está sendo usada pelos próprios tucanos, que estão tentando mascarar o seu candidato, o seu projeto e o seu discurso. Ao que parece, FHC escreveu o seu artigo olhando para o espelho, mas errou o alvo, uma vez que tudo aquilo que ele acusa estar cometendo a campanha petista está sendo cometido pelos próprios tucanos.

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