terça-feira, 30 de novembro de 2010

Reforma política: voto em lista privilegia programas de partidos e fortalece democracia

Se prestarmos bem atenção nos resultados que vêm sistematicamente sendo auferidos nas diversas eleições em nosso país, sobretudo para cargos proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores), poderemos facilmente constatar que a regra geral é: quem tem maior quantidade de recursos financeiros investidos na campanha consegue se eleger. Por outro lado, é impressionantemente grande o percentual de eleitores que definem o seu voto para cargos proporcionais sem levar em conta critérios mínimos, dando o que poderíamos chamar de um “voto no escuro”.

O resultado disso? Bem, como mostrado por uma pesquisa do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgada na segunda-feira, 29, nada menos que 20% dos eleitores não lembram em quem votaram para deputado nas eleições ocorridas há menos de 60 dias. Sem dúvida, estes são problemas que o atual sistema político tem que solucionar, até mesmo para que não corramos o risco de termos uma democracia fragilizada. A reforma política é, neste sentido, o único caminho para que este cenário seja alterado e, dentro desse contexo, a instituição do voto em lista é fundamental para que a relação partido-candidato-eleitor se torne cada vez mais clara.

Voto em lista fortalece democracia
O voto em lista não é nenhuma novidade no sistema político, uma vez que vem sendo utilizado em algumas democracias, como Argentina, Espanha, Noruega, Turquia e Uruguai. Atualmente, o eleitor vota uninominalmente em um candidato e aqueles mais votados dentro de um partido são eleitos, de acordo com o critério de proporcionalidade instituído pela legislação eleitoral (que leva em conta o quociente eleitoral e a quantidade de votos obtidos pela legenda ou coligação partidária). Isso cria algumas imperfeições no processo eleitoral, como aquelas citadas anteriormente, além de estimular uma competição entre candidatos de uma mesma agremiação, por exemplo.

Pelo voto em lista, o eleitor não votaria mais uninominalmente em um candidato, mas sim em uma lista de candidatos definida previamente pelo partido político ou pela coligação. Assim, ao invés de votar em um candidato, o eleitor votaria na agremiação (é o que se chama atualmente de “voto na legenda”). Como seria formada essa lista? Bem, antes das eleições cada partido realizaria convenções para definir a ordem dos candidatos na lista. É importante que alterações na legislação eleitoral previstas em uma eventual reforma política cuidem para que seja obrigatória a realização dessas convenções e que estas tenham caráter ampliado, seja por meio do voto direto dos filiados à agremiação ou ainda por meio de delegados.

As convenções são importantes para inibir a chamada oligarquização da decisão sobre escolha dos candidatos. Muitos críticos do voto em lista apontam justamente esse argumento: o de que este sistema poderia privilegiar mais ainda os candidatos defendidos pela burocracia partidária, que ocupariam os primeiros lugares na lista. Se houver uma regulamentação no sentido de evitar essa oligarquização, mediante a realização de convenções, certamente as chances de se oligarquizar a decisão sobre os candidatos serão bem reduzidas. Vale destacar que nos países onde já se adota o voto em lista, cada partido pode indicar uma lista com número de candidatos equivalente até a 150% do número de vagas em disputa.

Disputa de projeto é mais clara com voto em lista
E, feita a eleição, como saber quem entra e quem fica de fora na composição do Parlamento? Para sabermos quantas vagas cada partido terá, computados os resultados das eleições, temos que calcular inicialmente o quociente eleitoral, que nada mais é do que a razão entre o número de votos totais computados na eleição pelo número de cadeiras em disputa. Por exemplo, numa eleição para uma Assembléia Legislativa estadual onde o número total de votos foi de 500 mil e o número de cadeiras em disputa é de 100. O quociente eleitoral dessa eleição será calculado da seguinte forma: 500.000/100 = 5.000.

Feito isto, o partido consegue eleger tantos nomes quanto o número de vezes que conseguir atingir o quociente eleitoral. Neste mesmo exemplo, suponhamos que o partido X tenha tido no total 80 mil votos. De acordo com as regras, esse partido ocupará 80.000/5.000 = 16 cadeiras na Assembléia Legislativa. Supondo que ele tenha apresentado uma lista com 50 nomes, os 16 primeiros nomes da lista serão os eleitos e os demais, seguindo a ordem, ficam como suplentes. As vantagens do voto em lista podem ser resumidas em três pontos centrais:

1) O sistema de voto em lista torna a campanha eleitoral bem mais barata do que ela é hoje, uma vez que a competição se dá diretamente entre os partidos e não mais entre centenas de candidados individuais;

2) O voto em lista privilegia o programa, o projeto do partido e não projetos pessoais de candidatos. Assim, esse sistema é uma forma de fortalecer o partido e, ao mesmo tempo, tornar o processo mais transparente ao eleitor, já que este estará votando não em uma pessoa, mas no projeto polítco que lhe parecer mais viável e que o representar melhor. Além disso, ao se instituir o voto na legenda e não no candidato, não haverá mais competição entre candidatos de uma mesma agremiação, como temos visto atualmente;
3) O voto em lista é mais democrático, pois elege candidatos de acordo com uma ordem fixada previamente pelos filiados a uma agremiação. Como a campanha é da legenda e não do candidato, não se tem o risco, por exemplo, de um candidato se eleger só porque gastou mais que a média dos demais em sua campanha.

Alguns cientistas políticos propõem que, a fim de que se facilite a aprovação do voto em lista no Congresso e até mesmo o entendimento por parte do eleitor, adote-se um sistema híbrido, semelhante a alguns países europeus. Por este sistema, o eleitor poderia optar por votar na lista ou então em um candidato específico que fosse de sua preferência. Neste caso, se um candidato A tivesse sozinho mais votos que o quociente eleitoral, ele já estaria automaticamente eleito, sendo as demais vagas conquistadas pela legenda preenchidas com os nomes da lista. Esta também é, obviamente, uma alternativa que se deve levar em conta.

O que é importante deixar claro, aqui, é a urgência de se aprovar o voto em lista (seja no sistema fechado ou híbrido) no Brasil. Como dito anteriormente, ao fortalecer os partidos políticos e, portanto, a disputa de projetos e programas e não de perfis de candidatos, o sistema de voto em lista ajudará a fortalecer a própria democracia brasileira. Ficará muito mais fácil do eleitor optar pelo seu voto (uma vez que comparará projetos políticos e não pessoas) e de cobrar os seus eleitos posteriormente. Sem dúvida, se houver a implantação do voto em lista, estatísticas como essas do TSE apresentadas nesta semana tenderão a desaparecer ou pelo menos serem bastante reduzidas.

Leia também:
Por que a Reforma Política é a mais urgente no Brasil?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

UPP e investimentos do PAC devem levar paz e cidadania a moradores do Complexo do Alemão

A expectativa de que dias melhores estão próximos para milhares de moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, decorre, sem dúvida, do processo de reocupação pelo Estado da região, que há três décadas encontrava-se sob controle do tráfico. Neste sentido, a operação de tomada do território deflagrada pela Polícia e Forças Armadas nestes últimos dias ampliaram a sensação entre os morados de que a tão esperada paz está mais próxima do que se imagina. Nesta segunda-feira, 29, o governador do Rio, Sérgio Cabral, reafirmou que ainda no 1º semestre de 2011 será implantanda a UPP (Unidade da Polícia Pacificadora) no Complexo, de forma que até lá as Forças Armadas permanecerão ali para impedir retorno dos traficantes.

A reação dos moradores do Complexo do Alemão a esta nova realidade foi, naturalmente, a melhor possível, uma vez que a retomada do controle da região pelo Estado põe fim a uma era de trinta anos em que esta população estava sob o domínio do narcotráfico. A sensação de paz e liberdade vem acompanhada também por uma expectativa consistente de melhora nas condições de vida. Esta perspectiva é, em parte, decorrente das UPPs, mas também sob grande medida fruto dos investimentos que o Estado, numa parceria histórica dos governos federal, estadual e municipal, tem feito na região através do PAC (Processo de Aceleração do Crescimento) e do Programa Minha Casa, Minha Vida.

A transformação estrutural do Complexo do Alemão tem como marco fundamental o mês de março de 2008, quando tiveram início as obras do PAC e do Minha Casa, Minha Vida naquela região. Essas obras, é importante que se diga, têm como intuito central a integração física e social das diversas comunidades que compõem o Complexo do Alemão, por meio de um processo de urbanização dessas áreas e também da instalação de uma rede de serviços que levem cidadania e melhorem as condições de vida dos moradores. Para se ter uma idéia da grandeza do que está sendo feito, segundo dados do governo federal o total de investimentos na região através do PAC é de R$ 832,9 milhões.

Obras de urbanização em todo o Complexo do Alemão
Boa parte desses recursos está sendo aplicada em obras de urbanização, com a construção de redes de saneamento básico e de iluminação pública, cuja execução fica a cargo da Prefeitura do Rio. Nesta lista de obras, as quais boa barte já está concluída e o que não foi ainda concluído está em avançado estágio de execução, constam construção de redes de abastacimento de água, redes de coleta de esgoto sanitário, pavimentação, redes de drenagem, iluminação pública e obras de contenção nos bairros Nova Brasília e Joaquim de Queiroz. É incontestável a importância desse tipo de obra para os moradores da região, uma vez que, uma vez concluídas, elas levarão melhores condições de vida a estas pessoas, reduzindo inclusive o risco de doenças e as taxas de mortalidade.

Além disso, a ampliação da rede de iluminação pública, além de levar conforto, ajuda a reduzir a violência na região. É interessante citar também a importância das obras de pavimentação que estão sendo feitas em todo o Complexo do Alemão com os recursos do PAC. O grande destaque – que vem sendo muito elogiado pelos moradores – fica com o alargamento da principal rua do Alemão. Embora algumas famílias tenham que ter sido remanejadas para que fosse possível alargar a via, os moradores aprovaram as obras. A razão é óbvia: originalmente, somente kombis conseguiam trafegar pela rua e, ainda assim, quando chegavam até a metade tinham que retornar, devido ao estreitamento.

Com o alargamento, os moradores são beneficiados pela facilitação da mobilidade e acesso ao transporte público, uma vez que agora micro-ônibus já conseguem circular por esta via. A pavimentação, além de facilitar a mobilidade, deve por fim a outro problema muito comum no Complexo do Alemão: a grande quantidade de lixo que se acumula nas ruas. Isto porque, sem pavimentação, tornava-se mais difícil a coleta desse lixo pela Prefeitura. Agora, com as ruas pavimentadas e com largura maior, a coleta de lixo deve ser normalizada, contribuindo, neste sentido, também para melhorar a condição de vida dessas pessoas.


Moradias populares, escolas e UPAs

Grande volume de recursos também tem sido investido na construção de moradias populares no Compledo do Alemão. Para se ter uma idéia, já foram entregues quase 1.500 apartamentos construídos com recursos do PAC e do Minha Casa, Minha Vida para moradores da região. Os apartamentos possuem dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e varanda e alguns deles são adaptados para receberem moradores com necessidades especiais. A primeira leva dessas moradias, entregue entre 2009 e início de 2010, era formada por apartamentos com área de 40,2 a 42 metros quadrados. Contudo, após uma reclamação do Presidente Lula, as novas unidades possuem área maior – de 44,9 a 50,6 metros quadrados.

Esses condomínios populares construídos nas comunidades do Alemão contam com área de lazer formada por campo de futebol cercado com alambrado e vestiários e também com parque infantil. Além disso, as novas unidades também possuem salão de festas, guarita, churrasqueira e lixeira. Os investimentos do governo federal na região também são direcionados para a construção de centros culturais, escolas, creches e postos de saúde. Em junho deste ano, foi inaugurada, por exemplo, a Escola Estadual Jornalista Tim Lopes, que iniciará suas atividades no início de 2011, tendo capacidade para 1.800 alunos. A escola, de 4,75 mil metros quadrados e três andares, funcionará em período integral, segundo informações do governo do Estado.

Além de contar com 15 salas de aula, a escola Jornalista Tim Lopes ainda conta com um amplo centro de vivência e assistência, formado por auditórios, camarins, biblioteca, sala de leitura, espaço para o grêmio estudantil, quadra poliesportiva coberta, piscina, refeitório, banheiros e terraço. Recentemente, foi inaugurada também no Alemão uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) 24 horas, com recursos do PAC, beneficiando cerca de 150 mil pessoas na região com atendimentos de urgência e emergência. A instalação dessa UPA está ajudando a desafogar o pronto-socorro do Hospital de Bonsucesso, o mais próximo daquela região.

Teleférico favorece mobilidade dos moradores
Além de todas essas obras, uma em especial merece destaque não só pela importância mas também pela grandiosidade. Trata-se do teleférico construído com recursos do PAC e que começará a operar em janeiro de 2011, ligando o alto do Complexo do Alemão até a estação de trem de Bonsucesso. A importância dessa obra é clara: ela representa a interligação da comunidade à malha de transportes do Rio, facilitando o acesso dos moradores do Alemão ao “asfalto”. Para se ter uma idéia, o percurso do alto do morro até a estação de trem poderia durar até uma hora; agora, com o teleférico, este mesmo trajeto deve ser feito em apenas 15 minutos.

Foram construídas também cinco estações ao longo do trajeto do teleférico, sendo que a sexta estação é justamente a de Bonsucesso, onde será feita a conexão com a malha ferroviária. O teleférico do Alemão contará com 152 cabines, sendo que cada uma delas terá capacidade para 10 pessoas (oito sentadas e duas em pé). Esse meio de transporte deve facilitar sobremaneira a locomoção dos habitantes das áreas mais altas do Complexo do Alemão, sobretudo das pessoas mais idosas. Os testes com o teleférico estão marcados para começar agora em dezembro. A projeção de demanda é de 30 mil passageiros por dia.

Percebe-se, dessa maneira, que as perspectivas para o Complexo do Alemão são as melhores. A pacificação, decorrente da reocupação do território pelo Estado e subsequente instalação da UPP, e os pesados investimentos do PAC e do Minha Casa, Minha Vida nas comunidades que compõem o Complexo devem, desde já, trazer paz e também cidadania para os moradores da região. É, sem dúvida, um passo importante para evitar que jovens sejam atraídos pelo tráfico e pela criminalidade.

Cablegate: Brasil não partilha da obsessão contra-terrorista dos EUA, mostram documentos

Após vir à tona o chamado “Cablegate”, com o vazamento de documentos secretos da diplomacia norte-americana que mais se assemelham a relatórios de espionagem, cada país tem procurado descobrir quais as “impressões” dos representantes da Casa Branca a seu respeito. Ao contrário do que aconteceu com outros países, o Departamento de Estado norte-americano não solicitou, no caso do Brasil, informações de caráter privado sobre o integrantes do governo e o próprio Presidente Lula, pelo menos de acordo com os documentos revelados até o momento.

A temática geral dos relatórios dos funcionários das embaixadas norte-americanas no Brasil diz respeito ao comportamento do país em relação à cooperação com os Estados Unidos para atividades de contra-terrorismo. Os documentos vazados deixam claro, neste sentido, a verdadeira “obsessão” da Casa Branca por informações que possam auxiliar na identificação de agentes do terrorismo internacional que estejam porventura radicados, ou mesmo de passagem, pelo Brasil ou pela região da Tríplice Fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai), como evidenciado em um dos relatórios.

Brasil não se alinha a obsessão dos EUA
A sensação que se tem após a leitura dos documentos é que, de fato, os Estados Unidos vêem tudo, ou pelo menos quase tudo, como uma ameaça de terrorismo em potencial. E para nossa sorte, o governo brasileiro não dá muito crédito (como fica claro nos vários documentos) a esta obsessão da Casa Branca por “caçar terroristas”. Segundo um relatório enviado ao Departamento de Estado norte-americano em janeiro de 2008, pelo embaixador Clifford Sobel, o governo brasileiro “continua resistente à opinião de que organizações terroristas ou extremistas têm presença ou estão realizando atividades no Brasil”.

De acordo com esse mesmo relatório de Sobel, “os mais altos níveis do governo brasileiro, particularmente o Ministério das Relações Exteriores, são extremamente resistentes à idéia de que os terroristas têm presença no Brasil - seja para arrecadar fundos, organizar a logística ou mesmo trânsito no país - e vigorosamente rejeitam quaisquer declarações implicando em contrário. Esta sensibilidade resulta, em parte, do seu medo de estigmatizar a comunidade muçulmana do Brasil (estimada, mas não confirmada, por algumas fontes em mais de um milhão) ou prejudicar a imagem do território como um destino turístico”.

É muito interessante notarmos que o próprio embaixador dos Estados Unidos no Brasil destaca essa resistência do nosso governo em compartilhar dessa obsessão compulsiva da Casa Branca pelo combate ao que eles chamam de terrorismo. Em outro ponto do relatório, o embaixador norte-americano avalia que essa postura do governo brasileiro destina-se a “evitar uma ligação estreita com aquilo que é entendido como uma guerra excessivamente agressiva dos EUA contra o terrorismo”. Os documentos deixam claro que essa resistência do Brasil à obsessão contra-terrorista dos Estados Unidos ocorre tanto no aspecto simbólico quanto concreto.

“Nas conferências [realizadas anualmente entre o serviço de inteligência norte-americano e os serviços de inteligência dos países da Tríplice Fronteira], as delegações brasileiras muitas vezes criticam declarações feitas por autoridades dos EUA que alegam que a Tríplice Fronteira é um foco de atividades terroristas e desafiam os participantes dos EUA a apresentarem as provas em que autoridades do país se baseiam para dar essas declarações”, relata Sobel em outra parte do relatório. Outro exemplo dado pelo embaixador mostra que o entendimento do governo brasileiro sobre terrorismo é distindo do conceito norte-americano.

Segundo Sobel, “o governo brasileiro recusa, tanto legalmente quanto retoricamente, o rótulo de terrorista dado pelos norte-americanos a grupos como o Hamas, Hezbollah ou as FARC - os dois primeiros são considerados pelo Brasil como partidos políticos legítimos. Como resultado, o seu limite para aceitar a evidência da atividade do financiamento do terrorismo na região, pelo menos publicamente, é muito alto e informações indicando que os indivíduos na Tríplice Fronteira enviam fundos para os grupos no Líbano, na sua opinião, não constituem necessariamente um atividade de apoio ao terrorismo”.

EUA vêem Brasil como parceiro de cooperação
É interessante notar que em outro documento – datado de abril de 2008 e também escrito pelo embaixador Clifford Sobel – o tom é quase de um “lamento” porque o governo brasileiro “estava retrocedendo em seu esforço para apresentar uma legislação sobre o contra-terrorismo (CT)”. Sobel afirma no documento que “algumas notícias têm sugerido que a ministra-Chefe da Casa Civil do presidente Lula, Dilma Rousseff, anulou a legislação proposta, que tinha sido criticada por alguns ativistas sociais e grupos jurídicos, que temiam que poderia ser usado contra eles, compando a proposta à repressão da era militar”.

Para o embaixador, “o silêncio dos meios de comunicação e de grupos políticos após a decisão do governo brasileiro [de recuar numa legislação contra-terrorista] expôs uma falta de gás dessa temática entre as elites, cujo apoio seria necessário para superar a resistência do governo brasileiro. Como resultado, nosso esforço para colocar esta legislação novamente na agenda do Brasil será uma batalha árdua”. Por aqui pode-se ter uma idéia mais precisa da enorme insistência do governo norte-americano para tentar “afinar” o entendimento brasileiro do que seja terrorismo aos padrões estabelecidos por Washington.

Vale ressaltar que apesar de todos esses “poréns” apontados pelos relatórios da embaixada norte-americana sobre o Brasil, os documentos, de maneira geral, destacam que o governo brasileiro tem sido um importante parceiro da Casa Branca. “O governo brasileiro é um parceiro de cooperação no combate ao terrorismo e atividades relacionados com o terrorismo no Brasil - que incluem a investigação do financiamento do terrorismo em potencial, as redes de falsificação de documentos e outras atividades ilícitas - que possam contribuir para a facilitação de ataques na região ou em outro lugar”, diz um desses documentos vazados pelo site WikiLeaks.

Fica claro, em todo conteúdo exposto de maneira confidencial pelo embaixada norte-americana em Brasília ao Departamento de Estado norte-americano, que o governo brasileiro embora mantenha uma relação diplomática muito boa com Washington (como os próprios documentos corroboram), não baixa a cabeça para todo tipo de política que seja traçada pela Casa Branca. É muito satisfatório, por exemplo, constatarmos que, de fato, o Brasil não vem se alinhando, como fazia em épocas anteriores, a toda sorte de desígnios dos Estados Unidos. Fica claro, na análise desses documentos, que o governo brasileiro de fato é uma pedrinha bem incômoda no sapato de Washington.

Leia também:
Documentos secretos da diplomacia dos EUA vêm à tona e deixam Casa Branca em saia justa

domingo, 28 de novembro de 2010

Documentos secretos da diplomacia dos EUA vêm à tona e deixam Casa Branca em saia justa

Saia justa talvez seja pouco para se referir à situação delicada em que ficou a Casa Branca após a revelação, neste domingo, 28, pela imprensa internacional, de mais de 250 mil comunicados secretos do Departamento de Estado endereçado às embaixadas norte-americanas solicitando o mais variado tipo de informações. Essa rede de “espionagem informal” que vem sendo desenvolvida pelos Estados Unidos nos últimos dois anos recebeu a denominação de “cablegate”, uma referência à forma através da qual as solicitações chegavam às diversas embaixadas dos Estados Unidos espalhadas no mundo – telegramas assinalados como “secretos” ou “confidenciais”.

Os documentos foram vazados pelo site WikiLeaks e estão sendo divulgados, aos poucos, por cinco grandes períodicos: o El País, da Espanha, o Le Monde, da França, o The Guardian, da Inglaterra, o The New York Times, dos Estados Unidos e a revista Der Spiegel, da Alemanha. De acordo com o El País esses documentos “coletam comentários e informações elaboradas por funcionários norte-americanos, com um linguajar muito franco, sobre personalidades de todo o mundo, revelam conteúdos de entrevistas de pessoas do mais alto nível, descobrem atividades de espionagem até então desconhecidas e dados fornecidos por diversas fontes em conversas com embaixadores norte-americanos”.

ONU é alvo de espionagem do Tio Sam
Nem a ONU (Organização das Nações Unidas) escapou da “curiosidade” do Departamento de Estado norte-americano. Para se ter uma idéia, um dos documentos apresentados pelo El País refere-se a uma lista, datada de julho de 2009, enviada pelo Departamento de Estado aos funcionários de 38 embaixadas e missões especiais requisitando os mais variados tipos de informações sobre a ONU. Requisita-se, por exemplo, informações detalhadas sobre o Secretário-Geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-Moon: quais são seus planos e intenções e como é o trabalho cotidiano de sua assessoria. Mas não é somente do Secretário-Geral da ONU que o Departamento de Estado queria deter informações.

Neste mesmo documento, eram solicitados dados sobre os funcionários e representantes da ONU vinculados a países como Sudão, Afeganistão, Somália, Irã e Coréia do Norte. De acordo com o El País, as informações solicitadas pelo Departamento de Estado “estendem-se ao âmbito pessoal ao perguntar sobre as rotinas dos funcionários da Secretaria Geral da ONU ou de qualquer outro interlocutor que seja importante: são pedidas a numeração de cartões de crédito, passaporte, telefones, e-mails, URL acessadas, programa de trabalho e aparência física”. Além das questões pessoais, o Departamento de Estado selecionava, por embaixada, assuntos de interesses dos Estados Unidos para serem investigados pelos funcionários norte-americanos.

O El País lista quais são as informações solicitadas pelo Departamento de Estado norte-americano aos funcionários das embaixadas, segundo o documento ao qual o jornal teve acesso:

-“Planos, intenções, objetivos e atividades palestinadas relacionadas com as políticas dos Estados Unidos sobre o processo de paz e o anti-terrorismo”;
-“Informação biográfica, biométrica e financeira sobre os líderes palestinos e do Hamás, incluindo aí os movimentos de juventude dentro e fora de Gaza e Cisjordânia”;
-“Planos e atividades concretas do Reino Unido, França, Alemanha e Rússia a respeito das políticas da OIEA (Organização Internacional de Energia Atômica)”;
-“Planos e intenções dos líderes e países mais influentes da ONU, especialmente Rússia e China, sobre direitos humanos no Irã, sanções ao Irã, fornecimento de armas iranianas ao Hamáz e Hezbolá, e sobre as candidaturas que o Irã apóia para ocupar postos-chave na ONU”.

Informações dos mais variados tipos
Segundo reportagem do El País neste domingo, “o solicitado [pelo Departamento de Estado] a algumas embaixadas é quase uma ficha policial”. Parece brincadeira, mas é a mais pura realidade. Os Estados Unidos chegaram ao ponto de solicitar, segundo os documentos revelados, informações biológicas e físicas sobre os candidatos a Presidente do Paraguai nas eleições de 2008. Dentre as informações solicitadas aos funcionários da embaixada norte-americana em Assunção sobre os quatro principais postulantes à Presidência do Paraguai estavam: dados biométricos, impressões digitais, fotografias, scanners da íris e DNA! Além desse tipo de informação, a Casa Branca também solicitou informações sobre as relações do Paraguai com os países vizinhos.

“A Secretaria de Estado indaga sobre a corrupção do governo, lavagem de dinheiro, as relações do Paraguai com Cuba, Venezuela, China, Taiwan e Rússia, a existência de petróleo na região do Chaco paraguaio e o narcotráfico”, diz a reportagem do El País. Percebe-se, recorrentemente nos documentos revelados, uma preocupação muito grande dos Estados Unidos com relação ao tipo de vinculo diplomático dos mais diversos países com nações como Venezuela, Cuba, China, Rússia e Coréias. Além disso, existe um interesse muito grande, expresso nestes documentos, em saber informações sobre áreas de conflito iminente, como no caso das Coréias e do próprio Irã. A questão é que essas informações requisitadas pela Casa Branca ultrapassam os limites da diplomacia e entram em terrenos nada convencionais.

Daí a preocupação dos Estados Unidos após a revelação desses diversos documentos, que aos poucos estão sendo publicados pelos jornais mencionados. De acordo com o El País, ao tomar conhecimento do vazamento desses documentos, a Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, entrou rapidamente em contato com governos mais próximos e de maior interesse dos Estados Unidos para “fornecer algum tipo de justificativa”. Hillary, na prática, quer se antecipar e produzir uma espécie de “vacina” em países de maior interesse da Casa Branca a fim de não haja um azedamento das relações destes com os Estados Unidos. Exatamente por isto, dissemos no início deste texto que “saia justa” talvez seja pouco para se referir à posição em que os Estados Unidos se encontram agora.

Pelo teor das reportagens nos veículos citados, esses documentos vazados trazem informações até mesmo de caráter íntimo de várias lideranças políticas mundiais e revelam os bastidores – inclusive os mais obscuros – da diplomacia norte-americana. Nem é preciso dizer aqui o estrago que esse tipo de revelação pode causar nas relações políticas e comerciais dos Estados Unidos com o resto do mundo. Para um país que está lutando para superar os efeitos da crise de 2008, esse tipo de acontecimento, de fato, não é nada interessante! Acompanhemos, de perto, o desenrolar dessa interessante – e polêmica – história ao longo dos próximos dias.

Transformação do PT ajudou a consolidar democracia no Brasil, avalia cientista política

Reproduzimos abaixo a entrevista dada pela cientista política Wendy Hunter, da Universidade de Austin, no Texas, à Folha de São Paulo, publicada na edição deste domingo, 28. Hunter é estudiosa das transformações políticas e institucionais da América Latina nos últimos anos, sobretudo após a queda dos governos militares nesta região do continente. Ela acaba de lançar um livro intitulado “A transformação do Partido dos Trabalhadores no Brasil, 1989-2009”, onde procura fazer uma análise das mudanças sofridas pelo PT – hoje maior partido de esquerda da América Latina – da primeira eleição presidencial disputada até os dias de hoje.

O desafio ao qual se propõe é, evidentemente, grande, uma vez que explicar os rumos de um partido tão dinâmico quanto o PT sem cair em armadilhas teóricas ou até mesmo sem análises equivocadas é tarefa árdua. De qualquer forma, em sua entrevista dada à Folha, Wendy Hunter destacou essa tendência à moderação verificada no PT sobretudo após 1994, quando o partido começou a se desradicalizar e abrir canais de diálogo com outras forças políticas. Hunter destaca acertadamente, por exemplo, que “a transformação do PT se deu junto e contribuiu para a consolidação da democracia no Brasil”.

Por outro lado, a cientista política cai na velha armadilha da crítica moral ao Partido dos Trabalhadores quando diz que “o PT certamente abandonou muito de sua velha ênfase no ‘governo ético’ para jogar o jogo duro da política no Brasil”. Essa afirmação dá arsenal para um debate de horas, mas para sermos breve podemos dizer que trata-se de uma afirmação equivocada pois o PT não abandonou o seu compromisso com governos éticos. Simplesmente, o partido deixou de lado o foco neste discurso, uma vez que houve a compreensão de que a ética não está no centro do debate político: é falacioso disputar política com base em argumentos morais, já que o centro da política é a disputa de projetos de governo.

A cientista política também se equivoca quando diz, em outro momento, que movimentos sociais historicamente ligados ao PT estão desmobilizados. De qualquer forma, vale a pena ler com atenção a entrevista publicada pela Folha na edição deste domingo. Como dito acima, este blog concorda com várias análises de Wendy Hunter e discorda de várias, mas se formos analisar uma a uma aqui, necessitaremos de inúmeros parágrafos para dar conta do serviço. Confira abaixo a entrevista de Wendy Hunter:

Folha - A sra. acaba de publicar um livro em que estuda as transformações por que passou o PT desde 1989. Quais as principais mudanças?
Wendy Hunter - O PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível em relação ao que era na década de 1980. Um dos primeiros e mais óbvios aspectos diz respeito à moderação ideológica do partido, que pode ser percebida não apenas nos seus programas, mas também em suas políticas de governo. A expansão eleitoral do PT em todas as esferas de governo foi extraordinária. O PT cresceu lenta e consistentemente. Este último ponto é importante porque muitos partidos de esquerda na América Latina tiveram um crescimento espetacular seguido de uma queda tão rápida quanto a ascensão.

As alianças que o PT faz hoje seriam inimagináveis há 20 anos. A flexibilização do compromisso de fazer alianças apenas com partidos de esquerda foi impressionante, mesmo num país conhecido pelas coligações oportunistas. Tome como exemplo os dois últimos vice-presidentes: José Alencar (PL) e Michel Temer (PMDB). Aliás, a atual posição do PT em relação ao PMDB, em comparação com a distância que outrora mantinha, mostra bem o quanto um processo de "normalização" ocorreu com o partido. Basta lembrar que a história teria sido diferente se os 4,7% obtidos por Ulysses Guimarães em 1989 tivessem ido para Lula.

A eleição de Dilma Rousseff também faz parte desse "pacote" de mudanças?
Sim, é um ponto importante a ser levado em consideração o tipo de candidato que o PT lança atualmente. O simples fato de que a candidata à Presidência neste ano foi alguém que ingressou no partido há pouco tempo - dez anos - é testemunha dessas mudanças. Além disso, há diversos candidatos que não vieram do sindicalismo ou dos movimentos sociais, por exemplo. Antes, regras internas determinavam que os candidatos deveriam ou ser fundadores do PT ou ter participado das redes sociais do partido. Isso mudou muito.

Lula foi a principal figura do PT durante todo esse tempo. Qual sua participação nesse processo de transformação?
Lula teve um papel central na administração e na promoção de mudanças no PT. Transformações programáticas que partidos fazem - por exemplo, o afastamento do socialismo e a aproximação do mercado - precisam encontrar apoio não só no eleitorado mas também dentro da própria legenda. Lula foi figura crucial ao encorajar o partido a ouvir mais o eleitorado e suas aspirações, sobretudo após a derrota de 1994 para Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e as muitas mudanças econômicas positivas que ocorreram na era FHC. Ao mesmo tempo, Lula foi sensível às lutas e às dinâmicas internas do PT e soube conduzi-las de forma a apoiar um caminho moderado. Felipe González, na Espanha, e Nelson Mandela, na África do Sul, podem ser vistos de forma semelhante.

E que papel ele deve ter como ex-presidente?
Não creio que ele vá simplesmente se aposentar e ficar calado. Tampouco acredito que vá se envolver com assuntos menores da administração e do novo governo. Acho que Lula terá um papel crucial na mediação dos conflitos que podem surgir entre o partido e o governo Dilma. Lula tem muito mais força pessoal do que Dilma, e a relação que ele tem com o PT e suas várias correntes é muito mais profunda. Mas é importante destacar que Dilma terá a sua cota de desafios políticos à frente. O fato de que a oposição controla tantos Estados - alguns muito importantes - será uma fonte de desafios. Teremos que ver como ela lidará com essa oposição. Sabíamos muito mais sobre Lula e seu estilo de negociação política antes de ele chegar ao poder do que sabemos agora sobre Dilma.

O que podemos esperar do PT durante o governo Dilma? As tendências mais radicais ganharão mais espaço?
Acho que o PT está bem firme nas mãos dos moderados. Se olharmos as eleições internas do partido, veremos que não parece haver muito apoio às opções radicais. O fato de que as figuras históricas ligadas aos antigos valores e plataformas do PT não vençam nessas disputas internas sugere que boa parte da base tornou-se moderada junto com os líderes. Os movimentos sociais historicamente associados ao PT também parecem bastante desmobilizados. Por exemplo, há sinais de que, com a penetração de programas de assistência social, como o Bolsa Família, organizações como o MST já não conseguem conquistar adeptos como conseguiam antes.

Por fim, as evidências sugerem que o PT está "em boas mãos" na máquina do Estado. Dilma, com suas tendências estatizantes, provavelmente não reduzirá o tamanho do Estado, o que encolheria os postos do partido.

O PT cresceu muito e hoje é a maior bancada da Câmara. O PT será o próximo PMDB?
Não acho que o PT vá se tornar um partido de sustentação no sentido que tem sido o PMDB: fraco ideologicamente, aberto a fazer alianças com qualquer um e com grandes diferenças entre seus políticos. Acho que o PT ainda mantém diferenciais o suficiente para não regredir para algo desse gênero. É claro que o governo Dilma deverá seguir a lógica do presidencialismo de coalizão em alguma medida, ainda mais que o primeiro governo Lula, mas diria que haverá muitos nomes do PT entre os próximos ministros.

Por outro lado, o vigoroso apoio do governo Lula nos Estados menos desenvolvidos e seu relativo enfraquecimento nas áreas mais desenvolvidas - em parte resultado dos padrões de gasto dos governos Lula - certamente sugerem uma inversão na base de apoio histórica do PT e um movimento para se tornar um partido mais parecido com o PMDB.

A sra. concorda com quem diz que o PT se tornou um partido cuja principal preocupação é a manutenção do poder?
Eu não iria tão longe. Todos os partidos precisam se manter no poder e sobreviver politicamente para atingir outros objetivos. Sim, o PT certamente abandonou muito de sua velha ênfase no "governo ético" para jogar o jogo duro da política no Brasil. Mas é preciso considerar também um outro aspecto, o qual coloca pelo menos Lula se não o partido em uma perspectiva mais positiva. Enquanto o PT e o governo Lula têm sido criticados por se desviarem de seus compromissos históricos com os mais pobres e marginalizados, eles têm implementado políticas que de fato levaram a uma significante redução da pobreza, com avanços no cenário da desigualdade.

Então, desse ponto de vista, eles fizeram uma diferença positiva em direção as suas metas iniciais, ainda que não exatamente por meio das políticas que defendiam no passado.

Na sua avaliação, as transformações ocorridas no PT foram positivas ou negativas?
Um pouco de cada. De um lado, o sistema político perde por não ter um partido que se apegue à bandeira de um governo mais ético. Parece preocupante que a eleição de Dilma tenha se baseado tanto no uso da máquina por um presidente da República que é do mesmo partido. E atitudes do PT em eventos-chave, como a absolvição de José Sarney, não são positivas no que diz respeito a um governo melhor. Por outro lado, a transformação do PT se deu junto com e contribuiu para a consolidação da democracia no Brasil.

O PT no poder - o que, por si só, só poderia acontecer como resultado de sua transformação, ou normalização (a aceitação pelo PT tanto do mercado quanto da lógica da política brasileira) - continuou e aprofundou tendências de redução da pobreza e da desigualdade social. O ponto é: talvez um governo de esquerda mais radical pudesse ter feito mais nessas dimensões, mas as conquistas da esquerda moderada, como as de Michelle Bachelet [ex-presidente do Chile] e Lula, pelo menos serão mais sustentáveis devido à solidez maior da base fiscal e do apoio político.

Como as mudanças por que passou o PT "conversam" com as transformações ocorridas na sociedade brasileira?
Às vezes é necessário dar um passo atrás para pensar as eleições de 1989 em comparação com as atuais. Na disputa entre Lula e Fernando Collor de Mello, os principais meios de comunicação claramente anunciavam uma catástrofe caso Lula vencesse. Os militares mantiverem os olhos bem abertos naquela eleição. Os mercados financeiros estavam "apavorados". Em resumo, a atmosfera era muito polarizada entre duas figuras cujos partidos não tinham muitas cadeiras no Congresso Nacional.

Agora, atores externos à disputa ficam afastados. Por exemplo, a Globo não tem papel central na tentativa de determinar o resultado. Os militares se mantêm completamente ausentes. Após 2002, a comunidade financeira já não ameaça tirar o dinheiro do país caso a esquerda vença. Em resumo, a democracia brasileira se consolidou nos últimos 20 anos. Os três principais candidatos deste ano foram pessoas sérias com sólidos currículos e plataformas políticas críveis. O mesmo não pode ser dito a respeito de muitos outros países. O Brasil realmente pode ficar orgulhoso de quão longe chegou.

Na década de 1980, quem acreditaria que o PT teria o governador da Bahia ou que o candidato à Presidência pelo partido teria um apoio tão maciço no Maranhão? Naquela época, analistas, brasileiros e estrangeiros, escreviam livros sobre a persistência do poder dos militares e da direita. As máquinas oligárquicas de Antonio Carlos Magalhães e outros políticos nordestinos davam a impressão de que permaneceriam por um longo período. No entanto, a nova geração de cientistas políticos está ocupada escrevendo livros sobre o declínio do clientelismo nesses lugares. Sim, é claro que o PT se adaptou para caber na lógica da política brasileira, mas quem duvidar de que mudanças significativas podem acontecer deveria pensar uma segunda vez.

sábado, 27 de novembro de 2010

Críticas às ações da Polícia no Rio diluem-se diante do apoio popular à ofensiva do governo

Capa do Jornal "Extra", de 27/11/2010

Assim como não restam dúvidas de que o tráfico cada dia mais perde força e se desarticula frente à ofensiva do poder público no Rio de Janeiro, sobretudo após as bem-sucedidas ações do Governo fluminense ao longo dessa semana, também se enfraquecem as vozes contrárias à ação militar para combater os bandidos que promovem sucessivos ataques na cidade desde o início da semana. Se nunca no Rio de Janeiro havia se visto uma ação tão firme do poder público para reocupar áreas antes dominadas pelo tráfico, também nunca se viu tamanho apoio da população à ação do governo e da Polícia contra a bandidagem.

Diversos setores da sociedade, inclusive os moradores das próprias comunidades onde estão sendo feitas as operações policiais, vem expressando, de diversas maneiras, seu maciço apoio às ações do governo do Rio. Chamou atenção, por exemplo, a boa receptividade dos moradores do Complexo da Penha aos policiais do BOPE que reocuparam a área, há anos dominada pelo tráfico, na quinta-feira. De uma maneira geral, o sentimento dos moradores foi de alívio e esperança, já que tinham suas vidas de certa forma regradas pelos traficantes. Em uma carta entregue a uma repórter da Rede Globo neste sábado, uma moradora da região descreve seu sentimento após a ação da Polícia com a palavra “liberdade”.

Esmagadora maioria da população apóia ações
É interessante notar que, mesmo a ofensiva do poder público tendo o apoio da esmagadora parcela da população, ainda há quem critique as operações da Polícia no Rio de Janeiro. São sobretudo pessoas da extrema esquerda e da extrema direita que assumem uma crítica vazia e totalmente sem fundamento, baseadas, talvez, no velho ranço da “crítica pela crítica”. As redes sociais – sobretudo o Twitter – são, nesse sentido, terreno fértil para que tais manifestações contrárias à ação do governo fluminense apareçam, devendo-se destacar contudo que cada dia com menor frequência, haja vista que até mesmo nas redes sociais o apoio à ação do Governo Sérgio Cabral é amplo.

Entre esse reduzido grupo que critica as ações tomadas pelo governo, os argumentos para justificarem suas posições seguem mais ou menos um padrão. Tentam, por exemplo, desviar o foco do problema real que o Rio de Janeiro está passando para argumentarem que essa situação é resultado de anos de um Estado omisso. Ora, isso todos sabemos e pouquíssimas pessoas discordariam. Mas o que o poder público está fazendo agora é justamente adotar uma linha que governos anteriores já deveriam ter tomado, mas que não tiveram coragem ou vontade de fazer. Dizer que o Estado é o verdadeiro culpado pela onda de crimes no Rio de Janeiro também é um argumento um tanto quanto frouxo.

O Estado seria culpado se estivesse conivente com a criminalidade, o que não é o caso. A revista Isto É, em sua edição dessa semana, diz na sua reportagem de capa: “com um tiro certeiro de cidadania e autoridade, o governo do Rio de Janeiro conseguiu finalmente alvejar um inimigo que há décadas aterroriza a população do Estado (...). O inimigo que foi gravemente ferido é o crime organizado. Ao instalar as UPPs em favelas, o governador Sérgio Cabral rompeu com a ordem até então vigente nas comunidades carentes: a violência dos bandidos é que determinava o que podia ou não ser feito. As armas eram a lei e o crime organizado detinha o controle territorial”.

Há o argumento também de que essas operações têm um alcance limitado e penalizam apenas os “trabalhadores” do tráfico, mas não conseguem chegar aos chefões, que, segundo os que defendem essa posição, não moram nas comunidades, mas sim no asfalto, em bairros nobres da cidade. Ora, ainda que isto seja verdade, não invalida as operações da Polícia para capturar os criminosos que estão a serviço dos “peixes-grandes”. Além do mais, é natural que a captura de grandes chefões do tráfico exijam um tempo maior, uma vez que é produto direto de investigações profundas do serviço de inteligência da polícia. O que se quer dizer aqui é o seguinte: se este argumento for verdadeiro, ainda assim não inviabiliza as ações da Polícia.

Outro discurso que se vê recorrentemente entre os críticos das ações do governo fluminense é o de que esse tipo de operação da Polícia deixaria um grande saldo de mortes de inocentes. Bem, a realidade mostrou exatamente o contrário. Na noite de quinta-feira, o Secretário da Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, deu uma entrevista coletiva em que deixou claro que o objetivo da reocupação dessas comunidades pela Polícia não é disparar tiros e matar criminosos, mas sim retomar o território e prender os bandidos. Agora, como dito por Beltrame, se esses criminosos oferecerem resistência e reagirem à ocupação pela Polícia, logicamente haverá reação dos policiais, mas sempre tomando o cuidado de preservar a vida dos civis.

E é exatamente isso que temos visto ao longo das ocupações. Estamos vendo uma Polícia que está agindo implacavelmente contra a bandidagem, mas sem o intuito de “chegar atirando” e promover uma carnificina nestas áreas. Prova maior disso é a possibilidade de rendição dada pela Polícia neste sábado aos bandidos que se refugiaram no Morro do Alemão desde quinta-feira. De acordo com a Secretaria de Segurança, estima-se que por volta de 500 a 600 bandidos estejam escondidos no Complexo do Alemão. Para evitar um derramamento de sangue na região, o Comandante da Polícia Militar do Rio, Coronel Mário Sérgio, deu aos bandidos a oportunidade de se entregarem e pouparem suas vidas, que estariam logicamente sob ameaça num confronto com a polícia.

Logo, é falacioso esse discurso de que as ações do governo do Rio promoveriam um “banho de sangue” de inocentes, pois até aqui não é isso que se tem visto. O que vemos, ao contrário, é uma série de operações muito bem sucedidas da Polícia do Rio em conjunto com as Forças Armadas, que deverão restabelecer a ordem em uma cidade que há décadas vem sendo vítima da ação de grupos criminosos. Não há dúvidas de que estamos diante da possibilidade real de um novo Rio de Janeiro daqui para frente: um Rio em que a população mais carente, a maior vítima da ação dos traficantes, não sofrerá mais nas mãos do crime organizado. O Rio que renasce depois dessas ações do Estado é certamente um Rio que terá cada vez mais razões para ser chamado de “cidade maravilhosa”!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Por que a Reforma Política é a mais urgente no Brasil?

Um dos pontos mais interessantes da entrevista dada pelo Presidente Lula nesta semana a um conjunto de blogueiros foi quando ele tocou na questão da Reforma Política. De acordo com Lula, após deixar a Presidência ele se dedicará muito ao tema, destacando que “é inconcebível que o país passe por mais um período sem isso [a reforma política]”. O destaque dado pelo Presidente a essa questão é muito importante, haja vista que a Reforma Política seja, talvez, a mais urgente das reformas que o Brasil precisa neste momento.

As circunstâncias que revelam a urgência de uma reforma política no país são muitas. Em primeiro lugar, podemos apontar a crise de credibilidade pela qual vem passando todo o sistema político: há muito que no imaginário social política virou sinônimo de bandidagem, corrupção e favorecimentos. Nesse sentido, a política, que deveria ser vista como um instrumento efetivo de transformação da realidade e de boa gestão dos recursos públicos, passa a ser percebida, por diversos setores da sociedade, como algo sujo, que não merece crédito.

Expressões como “político é tudo igual”, “todos os políticos roubam” etc infelizmente parecem ter sido incorporadas por uma parcela significativa da população, o que evidencia a necessidade de uma reforma capaz de recuperar a credibilidade do sistema político junto ao povo. Em segundo lugar, devemos destacar um processo desencadeado em virtude deste descrédito da classe política junto à população: a tendência à judicialização da política. Aqui não se pretende fazer um discurso com fundamentação moralista, afinal de contas, como bem se sabe, a moral não é o centro da política.

Procura-se, sim, entender que a credibilidade do sistema político junto à população é uma das molas-mestras da democracia e que, por isso, ao se fazer uma reforma política que recupere esta credibilidade estaremos fortalecendo, ao mesmo tempo, a própria instituição democrática. Quando falamos em democracia podemos ter diversas concepções acerca do que isto seja. De uma maneira geral, pode-se dizer que a democracia tem dois pilares centrais: o primeiro deles é a soberania popular e o segundo, a constituição de direitos.

Todo poder emana do povo
A Constituição Federal diz que “todo poder emana do povo”, deixando, portanto, muito claro que na democracia brasileira o povo é o juiz de suas escolhas, tendo plena soberania para fazer suas opções. Ações que assistimos ao longo desse ano – como a aprovação do projeto “ficha-limpa” e a tentativa do Ministério Público de cassar o direito de um parlamentar legitimamente eleito pelo voto popular (caso Tiririca) – servem para nos dar uma idéia de como esse princípio da soberania popular vem sendo, aos poucos, ferido. É isso que faz a judicialização da política: ela transfere para o Judiciário o poder de decisão que, constitucionalmente, pertence ao povo.

Do seu lado, porém, a população não se dá conta de que está sendo ferida em seus direitos e até apóia essas “intervenções” do Judiciário, já que muitas das vezes já não acreditam mais na classe política. Ora, esse cenário de descrédito popular e de judicialização da política é mais que suficiente para mostrar o embate que deve ser feito pela próxima Legislatura, que toma posse em 1º de fevereiro de 2011. É preciso que se discutam mecanismos de reverter essa tendência e fortalecer a democracia brasileira, através do fortalecimento de seu processo político. E é aí que entra o debate da Reforma Política.

Como dito anteriormente, deve-se ter o cuidado, contudo, de se fazer esse debate no campo da política e não no campo da moral, pois isso enfraqueceria ainda mais o processo democrático. A melhor saída seria que os parlamentares eleitos, paralelamente às atividades de suas respectivas Casas legislativas, se reunissem durante um ano como Congresso Nacional e discutissem em conjunto aspectos importantes do atual sistema político, tais como a relação com o eleitor, a funcionalidade das instituições e a relação entre dinheiro e política.

Cabe ao Legislativo fazer esses enfrentamentos, afinal de contas ninguém neste país tem mais legitimidade do que nossos parlamentares para discutir tal assunto, pois foram eles (e não um conjunto de juízes) que foram eleitos diretamente pelo voto popular. Naturalmente este não é um debate dos mais fáceis: é preciso muita vontade política para levá-lo adiante. Contudo, a sua dificuldade é diretamente proporcional à sua necessidade e urgência. Se queremos ter uma democracia cada vez mais forte, sem correr riscos de interferência da Justiça na decisão soberana do povo, teremos, sem dúvida, que fazer esses enfrentamentos.

(O Boteko Vermelho publicará nos próximos dias artigos sobre os diversos aspectos da Reforma Política: fidelidade partidária, sistemas de voto, atribuições da Câmara dos Deputados e Senado e financiamento de campanha. Acompanhem!)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Até o Estadão concorda: governo do Rio está no caminho certo no combate ao crime

Em meio ao acompanhamento em tempo real que a grande imprensa e os principais canais de televisão estão fazendo sobre a onda de ataques criminosos no Rio, qual não foi a surpresa deste blog ao se deparar com um editorial do Estadão sobre o tema. A surpresa, fique claro, não se deu por conta da existência de um editorial dedicado ao tema no jornal paulista, mas sim por conta do posicionamento do mesmo. Isto porque enquanto boa parte da imprensa procura responsabilizar o governo do Estado por esta onda de violência, o Estadão vai na contramão e analisa, como a esmagadora maioria dos analistas, que o poder público está no caminho certo.

Embora a população do Rio fique, com toda razão, apreensiva, é importante neste momento o apoio irrestrito às ações do poder público, pois como tem falado o governador Sérgio Cabral, o Estado não pode recuar jamais! Todos os analistas convergem para a mesma avaliação: essa onda de ataques é a prova mais que cabal que o tráfico está perdendo poder no Rio, de forma que esses arrastões e incêndios de veículos devem ser entendidos como atos de bandidos “desesperados” que estão vendo suas redes de tráfico serem desarticuladas. Através dessa tática do medo, esses criminosos querem intimidar a população e fazer com que ela force o Estado a recuar na política de segurança pública.

Felizmente, a tática dos bandidos não está dando certo. A população está apoiando a ação do governo do Rio. Abaixo transcrevemos a íntegra do editorial do Estadão sobre o tema, publicado nesta quinta-feira, 25:

A violência no Rio de Janeiro
Os acontecimentos dos últimos dias no Rio de Janeiro - onde bandidos fortemente armados incendiaram 29 veículos apenas entre a noite de terça-feira e a manhã de quarta-feira, além de promover arrastões em diversas áreas da cidade - são o desdobramento de uma das mais bem-sucedidas políticas de segurança pública já adotadas no País - a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em 12 morros e favelas que estavam sob controle do narcotráfico.

Por meio das UPPs, o governo estadual não se limita a promover operações policiais pontuais em áreas conflagradas, onde o poder público estava ausente. Pondo em prática o que era recomendado pelos especialistas, passou a instalar postos de saúde e escolas nesses locais, além de contingentes policiais permanentes articulados com líderes comunitários, para "reconquistar" territórios que haviam sido abandonados pelo poder público. Desse modo, toda vez que uma nova UPP é instalada, o crime organizado perde o controle sobre uma "área liberada".

Desde que essa política foi adotada, há dois anos, o crime organizado vem sendo expulso de morros e favelas que antes controlava pela intimidação e pela violência. A violência dos últimos dias - com um saldo de 21 mortos - foi mais uma tentativa de represália dos bandidos. A polícia já descobriu que a ordem partiu da Penitenciária de Catanduvas, no Paraná. Inaugurada em 2006, ela é a primeira prisão de segurança máxima mantida pela União para confinar os chefes das facções criminosas do Rio e de São Paulo.

A estratégia do narcotráfico não é nova. Sempre que se sentem acuadas pelas autoridades de segurança pública, as quadrilhas desafiam e afrontam o poder do Estado por meio de ataques orquestrados, com o objetivo de afrontar governantes e aterrorizar a população. A novidade neste novo surto de ataques é que, até o ano passado, os bandidos se limitavam a atear fogo a ônibus e trens, lançar bombas em prédios públicos, atirar contra cabines de policiais e tumultuar o tráfego em ruas movimentadas. Em duas ocasiões, os bandidos dispararam contra a fachada do Palácio Guanabara, sede do governo do Estado.

De dois meses para cá, porém, os chefes do narcotráfico passaram também a promover arrastões em túneis e viadutos, agredindo motoristas e incendiando carros de passeio - como ocorreu nos últimos dias na Linha Vermelha e na saída da Via Dutra, em direção à Avenida Brasil. Até ontem, a polícia fluminense já contabilizara mais de 38 arrastões em toda a região metropolitana. A ideia é usar a mídia para disseminar o pânico no momento em que o Rio de Janeiro se prepara para sediar a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016.

A reação do narcotráfico ao sucesso das UPPs já era esperada. O mesmo problema ocorreu no sul da Itália, no México e na Colômbia, quando as autoridades desses países adotaram políticas de segurança pública mais rigorosas e eficientes contra o crime organizado. Em vez de deixar a população em pânico e enfraquecer governos, os ataques das facções criminosas tiveram efeito oposto. As sociedades daqueles países apoiaram enfaticamente essas políticas e, estimuladas pelo sucesso das operações, as polícias italiana, mexicana e colombiana passaram a investir em tecnologia e inteligência, no combate ao narcotráfico e facções mafiosas.

No caso do Rio, alguns especialistas afirmam que, apesar dos resultados já apresentados, as UPPs precisam ser aperfeiçoadas, exigindo maior articulação das autoridades municipais, estaduais e federais, para cortar as fontes de suprimento de drogas e armas. Outros especialistas lembram que o sucesso das UPPs só poderá ser efetivamente aferido depois que o governo fluminense instalar unidades no Complexo do Alemão, que é o maior reduto do narcotráfico e o local para onde os bandidos expulsos dos demais morros e favelas estão fugindo. Todos os analistas, porém, concordam que o poder público está trilhando o caminho certo para restabelecer o primado da lei e da ordem na segunda maior cidade do País.

Leia também:

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Onda de ataques no Rio reflete tentativa do tráfico de desestabilizar UPPs

A recente onda de ataques criminosos no Rio de Janeiro, que ocorre desde a tarde do último domingo, 21, vem ganhando lugar de destaque nos principais jornais e noticiários brasileiros. Os inúmeros arrastões e incêndios de carros e ônibus por facções criminosas têm provocado um intenso debate não somente entre especialistas na área de segurança pública, mas também na sociedade, como tem se visto, inclusive, nas redes sociais, tais como o serviço de microblog Twitter. Durante maior parte da tarde desta quarta-feira, 24, as hashtags #UPP e #SergioCabral estiveram entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil.

Parte da sociedade, influenciada pela cobertura tendenciosa da mídia, tem sido equivocadamente convencida de que a razão desses ataques seria uma ineficácia da política de segurança pública do governo Sérgio Cabral, no Rio. Nada mais errado que isso, contudo. Se estamos assistindo a essa onda de ataques em diversos lugares do Rio é porque, ao contrário do que diz a grande imprensa, os bandidos estão se sentindo incomodados pela política de segurança pública do governo Cabral, da qual as UPPs (Unidades da Polícia Pacificadora) são o maior símbolo. Caso não se sentissem “acuados” os criminosos não estariam agindo de tal maneira.

UPPs reduzem índices de criminalidade
As UPPs fazem parte da nova política de segurança pública do Rio de Janeiro desenvolvida pelo governo Sérgio Cabral. Elas nada mais são do que a reocupação de territórios que há décadas vinham sendo ocupados pelo narcotráfico. Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, cerca de 200 mil pessoas são, atualmente, beneficiadas pelas UPPs, que estão radicadas, hoje, em 12 comunidades do Rio de Janeiro. É interessante destacar que a UPP é um conceito que combina segurança pública e cidadania, uma vez que promove uma reaproximação da polícia com a população e leva de volta o Estado para onde ele estava ausente.

Isto porque após a polícia pacificadora reocupar uma determinada área, o Estado entra ali não só com uma unidade de policiamento permanente, mas também com toda uma estrutura para a promoção de direitos aos moradores dessas regiões. Neste aspecto, a UPP é primordial pois permite que o Estado entre nessas comunidades oferecendo serviços de saúde, educação, esporte e lazer e afastando, de forma bastante consistente, o tráfico de drogas dessas áreas. Os resultados das UPPs têm sido muito animadores: se checarmos as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, poderemos constatar que a criminalidade vem recuando de forma considerável.

Para se ter uma idéia, no primeiro semestre de 2010 o número de homocídios dolosos no Rio de Janeiro recuou 20,2% na comparação com igual período do ano anterior. Nos crimes contra o patrimônio também foi registrada queda: no que se refere a roubos de veículos, houve um recuo de 23,1% neste período, enquanto os roubos de carga caíram 2% na mesma comparação. Esses números mostram que a política de segurança pública que vem sendo desenvolvida no Rio vem dando resultados concretos e que ela não pode nem deve ser avaliada somente pelos acontecimentos dessa semana, que são pontuais.

Deve-se ter em mente que a medida da eficácia de uma política de segurança pública deve ser feita levando-se em conta o comportamento temporal dos indicadores de criminalidade de uma determinada região e não com base em fatos que tenham maior visibilidade. É claro que uma onda de ataques como essa que vem sendo registrada no Rio de Janeiro tende a chamar mais atenção das pessoas e a despertar uma maior comoção. Mas esse tipo de evento não significa que a política de segurança pública está equivocada: pelo contrário, como dito anteriormente, esse tipo de ação só está acontecendo porque os traficantes estão incomodados com o avanço das UPPs.

Além disso, devemos considerar que a rede de narcotráfico no Rio é bastante extensa e profundamente enraizada, pois ela não surgiu da noite para o dia – é um produto de décadas. Assim, desarticular essa rede do tráfico é uma tarefa de médio e longo prazo. Para que se efetuem prisões dos “cabeças” do tráfico, é necessário um pesado investimento em inteligência policial, um aumento de policiais nas ruas etc, que são medidas que já estão gradativamente sendo feitas. Porém, é importante que se destaque que os resultados alcançados pela atual política de segurança pública do Rio de Janeiro são bastante satisfatórios se considerarmos o curto espaço de tempo no qual essa politica vem sendo aplicada.

De acordo com o sociólogo Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), “o perigo, aqui, é as classes médias acharem que a sua segurança está sendo comprometida por causa das UPPs. Se passarem a acreditar que o investimento nas UPPs é contraproducente para quem não mora nas favelas, isso poder acabar com a sustentabilidade política do projeto. Sérgio Cabral sempre fez questão de associar a expansão das UPPs a benefícios também para o asfalto, justamente para não correr esse risco”. E Cano segue avaliando a importância em se ter uma avaliação mais ampla da política de segurança pública do Rio de Janeiro, não se atendo apenas aos recentes fatos.

Segundo o pesquisador, “a gente tem que olhar mais para os números e para as taxas de incidência criminal, que estão caindo, e menos para o que aconteceu (nos últimos dias). Antes, 20 pessoas podiam morrer numa madrugada e ninguém ficar sabendo. Agora, se tem um arrastão, isso gera um pânico e ninguém pensa em outra coisa. Então, é importante olhar para o quadro mais geral”. Percebe-se, dessa forma, que os recentes atos criminosos que vêm acontecendo no Rio podem ser encarados como “efeitos colaterais” de uma solução maior que vem sendo aplicada pelo governo do Rio de Janeiro contra o crime. É importante que a população entenda isso e que não se deixe contaminar pela visão equivocada vendida pela grande imprensa.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Formação do novo Ministério: há motivos reais para dúvidas sobre rumo da política econômica?

O processo de escolha do novo Ministério, sobretudo em relação aos nomes que ocuparão as pastas de Economia a partir de 1º de janeiro, parece estar gerando mais discussões fora do que dentro do próprio governo de transição. As especulações, num primeiro momento, eram direcionadas à permanência ou não do atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, no seu cargo. Após a sinalização na semana passada de que Mantega deverá ser mantido por Dilma à frente da Fazenda, o que pode ser confirmado ainda esta semana, a onda de especulações se volta, agora, para o comando do Banco Central.

Na tarde de segunda-feira, 22, a imprensa começou repercutir boatos de que uma fonte ligada ao governo dava como garantido de que o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não será mantido no cargo pela Presidente eleita, Dilma Rousseff. A razão, segundo esse boato, seria de que Dilma ficou profundamente irritada com uma declaração de Meirelles dada na semana passada, em Frankfurt, na qual ele condicionava sua permanência no Banco Central à autonomia operacional da instituição. Trocando em miúdos, seria como se Meirelles estivesse duvidando que, no governo Dilma, teria a mesma autonomia que teve no governo Lula.

A questão é que esses boatos serviram para criar um frisson no mercado financeiro e deixar os investidores de orelha em pé, a ponto dos contratos de juros futuros negociados na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) sofrerem um ligeiro aumento no final do dia para os vencimentos de mais curto prazo. O próprio periódico britânico Financial Times publicou nestas terça-feira, 23, uma matéria repercutindo essa ansiedade dos investidores pela definição da nova equipe que comandará a política econômica no governo Dilma. De acordo com o FT, “ao nomear Mantega primeiro, dizem os investidores, Dilma sinalizaria um apoio à ala menos ortodoxa do atual governo”.

Compromisso com austeridade monetária
Posto isso, cabe aqui a questão: até que ponto existem motivos reais para essa onda de especulações no mercado? Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o posicionamento deste blog em defesa da permanência de Henrique Meirelles à frente do Banco Central. Afinal de contas, Meirelles tem feito uma condução exitosa da política monetária e garantido uma melhora consistente dos fundamentos econômicos do país, através da austeridade com que o BC tem conduzido a taxa básica de juro brasileira. É importante que se diga, por outro lado, que a análise que se segue não é contaminada pelo posicionamento deste blog, uma vez que os sinais emitidos por Dilma são de uma garantia da autonomia operacional da autoridade monetária.

Como bem se sabe, existe uma pressão tanto de natureza econômica quanto política para maiores reduções da taxa de juros no próximo governo. Os benefícios oriundos de uma taxa de juro menor são bastante óbvios: além de contribuir para uma aceleração do investimento privado e, com isso, ampliar a taxa de crescimento econômico e impulsionar a geração de empregos, há também o benefício direto sobre o câmbio. Em um cenário no qual o real está sobrevalorizado em relação ao dólar, uma redução da taxa de juro poderia reconduzir a moeda doméstica a um novo patamar de equilíbrio, no qual ela se estivesse em níveis que não deteriorassem as exportações brasileiras.

Por outro lado, temos que considerar o cenário interno de alta da inflação nos últimos meses, que não dá espaço para cortes abruptos na taxa de juros, pelo menos ao longo dos primeiros meses do governo Dilma. A Presidente eleita tem reforçado sistematicamente seu compromisso com a manutenção do tripé da política econômica: câmbio flutuante, metas de inflação e controle fiscal; e, como experiente economista que é, além de excelente gestora, isso por si só já deveria tranquilizar os mercados. O que se quer dizer aqui é que independentemente da permanência ou não de Meirelles à frente do Banco Central, a austeridade na condução da política monetária deve ser a mesma. E Dilma tem dado sua garantia em relação a isso.

Ou seja: os juros têm que cair sim, mas em um ritmo que não comprometa o equilíbrio geral do nível de preços. E diante das recentes pressões inflacionárias, é muito pouco provável que quem quer que esteja à frente do BC a partir de 1º de janeiro se aventure em promover uma mudança radical na atual forma de conduzir a política monetária. É claro que todos gostaríamos de que a política monetária fosse mais ousada no sentido de reduzir os juros, mas o BC tem a autonomia e responsabilidade de assegurar a convergência da inflação para o centro da meta. E num contexto de aceleração inflacionária, sobretudo da chamada “inflação de baixa renda”, há que se adotar mesmo uma postura mais rígida no que diz respeito à condução dos juros.

Logo, não existem motivos reais para tanta inquietação do mercado em relação aos nomes que integrarão a nova equipe econômica. Seja com Meirelles ou com outro à frente do Banco Central, Dilma já deu todas as garantias de que 1) a autoridade monetária continuará tendo autonomia operacional para decidir os rumos da política monetária; 2) o próximo governo continuará fundamentando a política econômica na manutenção do tripé; e 3) a convergência da taxa de juros para níveis menores ocorrerá de forma gradual, respeitando as condições macroeconômicas, e não à base de “canetadas”. Assim, toda essa especulação que vem sendo feita no mercado parece fruto mais de boatos da imprensa do que de sinais emitidos pelo governo de transição.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Que rumo tomará Kassab?

Após ver frustrada sua tentativa de capitanear uma fusão do DEM com o PMDB, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab tem se movimentado para trocar sua atual legenda por outra, possivelmente da base aliada de Dilma. Pelo menos esta é a informação que tem repercutido na grande imprensa nos últimos dias: de acordo com jornais como Folha de São Paulo, Estadão e O Globo, Kassab estaria avaliando uma possível troca do DEM pelo PMDB ou ainda pelo PSB. Como o prefeito ainda não deu nenhuma declaração oficial sobre essa possível troca, os boatos ganham ainda mais força.

Por mais que pareça estranho Kassab trocar um partido declaradamente de oposição por um da base governista, a movimentação, se confirmada, não deve causar espanto. Afinal de contas, o prefeito da maior cidade do país procura desde já garantir seu espaço na arena política para futuras disputas eleitorais, como a de 2014. Ora, é fato que se continuar no DEM, Kassab terá chances remotas de sair candidato ao governo do Estado de São Paulo nas próximas eleições (lembrando que em 2012, ele não poderá concorrer à reeleição para a Prefeitura de São Paulo), uma vez que o seu atual partido é aliado quase que natural do PSDB no estado.

Diante dessa constatação, o prefeito tinha duas soluções possíveis: 1) ou quebraria essa “aliança natural” do DEM com o PSDB em São Paulo fundindo sua atual sigla com o PMDB, para aí sim ter condições reais de lançar uma candidatura competitiva à de Geraldo Alckmin (candidato natural à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes em 2014) ou 2) deixaria o DEM e ingressaria em um partido onde pudesse construir uma candidatura competitiva. Como a primeira hipótese foi amplamente rejeitada por caciques do DEM, como o ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, e o deputado federal e 1º vice-Presidente da legenda, Ronaldo Caiado, resta a Kassab a 2ª opção.

Ida para o PMDB é hipótese plausível
Neste contexto, os grandes jornais já estão dando como certa a migração do prefeito para o PMDB, que é a segunda maior força da base governista. A hipótese não é tão absurda assim, especialmente se considerarmos o fato de que, com o afastamento de Orestes Quércia da cena política, por conta de problemas de saúde, criou-se uma lacuna no PMDB paulista. E como a arena política é permeada por disputas de espaços, ocupar essa lacuna deixada pelo quercismo em São Paulo parece ser uma movimentação muito interessante para Gilberto Kassab. Nesta altura, o leitor poderia questionar: mas essa lacuna não seria naturalmente ocupada por Michel Temer?

De fato, Temer naturalmente ocuparia (de bom grado, diga-se de passagem) esta lacuna deixada por Quércia, sendo inclusive uma boa oportunidade para reconduzir o PMDB paulista (arredio à postura do PMDB nacional) de volta à base aliada do governo federal. Mas daí, não podemos deixar de lembrar que, como vice-Presidente eleito da República, Temer não é mais uma figura propriamente do PMDB paulista e sim do PMDB nacional. Logo, não convém que gaste seu tempo cuidando de articulações políticas estaduais, ainda que estas sejam em um estado com o peso eleitoral que tem São Paulo. E é aí que está a grande oportunidade de Kassab.

Com Quércia afastado e Temer cuidando de articulações nacionais, o prefeito de São Paulo poderia capitanear um processo de rearticulação política do PMDB paulista. E aí o caminho mais factível seria o de rearticular o partido em São Paulo afastando-o do PSDB, movimento para o qual teria carta branca de Temer. É lógico que não interessa a Kassab que o PMDB continue alinhado ao PSDB no estado de São Paulo: afinal de contas, esse alinhamento poderia colocar tudo a perder no que se refere às suas pretensões de disputar o Palácio dos Bandeirantes em 2014. Por isso, para desespero da ala quercista, a melhor saída seria conduzir o PMDB paulista a uma aproximação com o governo federal.

E há que se ter o cuidado aqui para não se confundir as coisas, como propositalmente tem feito os grandes jornalões. Confirmado um cenário em que tenhamos a migração de Kassab para o PMDB e, feito isto, o protagonismo do prefeito na aproximação do PMDB paulista com a base aliada do governo federal, isto não quer dizer que haja uma aliança de Kassab com o PT em nível estadual. São duas arenas de disputa bastante distintas e, tal como se desenha o cenário atualmente, é muito pouco provável que Kassab, no PMDB, venha se aliar com o PT na sucessão do Palácio dos Bandeirantes. A razão é simples: PT e PMDB disputariam, neste caso, o posto de 2ª força política na arena eleitoral, contra o PSDB.

Como o PT é hoje a 2ª força política no Estado de São Paulo, não interessaria ao partido abrir mão de uma candidatura própria para apoiar uma eventual candidatura de Kassab pelo PMDB ao Palácio dos Bandeirantes em 2014. Dada a atual conjuntura, seria um movimento político muito nonsense. De qualquer forma, nenhuma afirmação pode ser dada como certa, uma vez que a arena política é altamente dinâmica e alterações de conjuntura podem ocorrer em um espaço muito curto de tempo. Neste caso, estamos vislumbrando um cenário consideravelmente longo – são mais quatro anos até as eleições de 2014.

Migração para o PSB é boato infundado
Se uma migração de Kassab para o PMDB parece ser plenamente factível, o mesmo não podemos dizer em relação à transferência do prefeito para o PSB, como alguns jornais têm especulado. A razão é muito simples: ao contrário do PMDB, não há lacuna deixada por lideranças no PSB de São Paulo. O argumento apresentado por alguns de que o governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, poderia confiar a Kassab, se este migrasse para o PSB, a rearticulação do partido no Sudeste e Sul é um tanto quanto absurdo. Isto porque o partido tem nomes tão fortes quanto o de Kassab para capitanear este tipo de processo.

Basta lembrarmos do recém-eleito deputado federal Gabriel Chalita, que, apesar de ser “cristão novo” no PSB (Chalita chegou ao partido em 2009, após deixar o PSDB), já tem uma posição de destaque no partido. Nas eleições de outubro deste ano, Chalita foi o segundo deputado federal mais votado em São Paulo, tendo a vantagem de ser um nome que dialoga bem com todas as forças políticas. E além de Chalita, o PSB tem outros nomes muito fortes em São Paulo, como Márcio França e Luíza Erundina. Logo, não faz sentido pensar que Kassab teria algum tipo de protagonismo no PSB paulista, fato que nos leva a descartar por completo a hipótese de migração do prefeito para o partido.

O que se percebe é que cada vez mais torna-se iminente a migração de Kassab do DEM para o PMDB, pois o prefeito não quer perder tempo nem espaço na arena política. Embora as cartas não estejam de todo na mesa, os ruídos de bastidores já permitem concluir qual será o desfecho do jogo! Afinal de contas, seja no carteado ou na política, não parece ser a sorte o elemento decisivo para a vitória, mas sim a estratégia e a racionalidade.

domingo, 21 de novembro de 2010

Os 10 anos do Plano Fênix: renascimento da Argentina pós neoliberalismo de Menem

O período de Carlos Menem à frente do governo da Argentina foi marcado por uma política econômica de caráter neoliberal, muito semelhante àquela adotada por Fernando Henrique Cardoso aqui no Brasil. Em meio a uma grande crise econômica, marcada notadamente pela hiperinflação e também pela recessão, o ministro das Finanças do governo Menem, Domingo Cavallo, implementou o chamado Plano Cavallo, que nada mais era do que uma aplicação do receituário ortodoxo do FMI e que introduziu uma série de reformas na Argentina, sendo que a principal foi a adoção da paridade entre o peso (moeda local) e o dólar.

Qualquer semelhança com a política econômica adotada por Pedro Malan, ministro da Fazenda do governo FHC, aqui no Brasil não é mera coincidência. A combinação explosiva da convertibilidade, do câmbio fixo e do crescente endividamento do país (por conta das pressões cambiais no cenário externo) acabou por conduzir a Argentina a uma situação insustentável. Foi neste contexto, que há dez anos, um grupo de economistas heterodoxos se reuniu para debater a política econômica de Menem-Cavallo e propor uma saída heterodoxa para a crise que se instalava na Argentina. Estava lançado o chamado Plano Fênix, um conjunto de propostas alternativas ao pensamento neoliberal que poderia auxiliar a Argentina a superar os efeitos nefastos da crise econômica.

Neste domingo, 21, o jornal argentino Página 12 publicou um artigo muito interessante do economista Norberto Gonzalez, que foi um dos formuladores do Plano Fênix. O artigo faz uma reconstrução histórica do período no qual foi instalado o Plano e destaca suas principais contribuições para a recuperação econômica da Argentina ante o fracasso do receituário econômico adotado por Menem-Cavallo. A leitura do texto, reproduzido a seguir, é interessante especialmente se a fizermos comparando com a política econômica de FHC-Malan aqui no Brasil. Isso nos ajuda a entender o que poderia ter acontecido com o Brasil se FHC insistisse na manutenção da paridade por aqui.

Renascimento
No momento em que se criou o Plano Fênix, a Argentina atravessava um período de retrocesso e de desorientação nas idéias com as quais conduzia a sua política econômica. Antes da política econômica adotada por Martínez de Hoz (ministro das Finanças entre 1976 e 81, no governo de Jorge Rafael Videla) e da convertibilidade [de Menem-Cavallo], a Argentina havia alcançado progressos importantes. O país integrava um grupo de países em desenvolvimento relativamente avançados. Acompanhava o processo de desenvolvimento do Brasil e estava se aproximando de alguns países asiáticos e da Europa Oriental. Nos aspectos econômicos e sociais, vivia os contrastes próprios de um país em desenvolvimento: registrava atrasos em determinados aspectos e em outros apresentava avanços claros.

A Argentina vinha registrando um forte desenvolvimento da indústria de bens de consumo duráveis e também de bens intermediários, como metais e produtos químicos, além da indústria de bens de capital. Empresas radicadas na Argentina podiam vencer licitações na própria Argentina ou ainda em outros países da América Latina, para fornecer, por exemplo, equipamento elétrico pesado para produção de eletricidade, competindo com empresas de países desenvolvidos, como Alemanha e França. Produzia também outros tipos de bens de capital, como máquinas-ferramentas, maquinário agrícola e equipamentos para indústria leve. Este nível de desenvolvimento intermediário foi alcançado através de governos de distintos signos políticos porque desde os anos 30, quando foi criado o Banco Central e teve início a política de substituição das importações, a política econômica teve uma certa continuidade, assemelhando-se ao que poderia se chamar de “política de Estado”.

Toda essa situação sofreu uma forte deterioração com a política econômica de Martínez de Hoz. Durante o seu período de vigência, a especulação financeira tomou o lugar do desenvolvimento e o câmbio desfavorável culminou com a convertibilidade (ou paridade) aplicada por Menem-Cavallo. No início, a convertibilidade foi necessária para solucionar a hiperinflação e a perda de controle do governo sobre a economia do país. Uma situação similar ocorreu no Brasil, que também aplicou um programa parecido ao da Argentina. Contudo, o Brasil manteve essa política durante muito poucos anos, até a inflação cair para um nível contrável, e ao final desse período mudou sua política econômica e voltou a priorizar o crescimento econômico e o emprego intensivo dos recursos produtivos. A Argentina, ao contrário, manteve essas medidas rigidamente durante todo o decênio dos anos 90. Essas políticas tiveram consequências muito desfavoráveis:

1) Destruíram muitas das indústrias já existentes e fizeram o país perder espaço em mercados externos nos quais já estava competindo. A abertura sem critérios da economia e o peso sobrevalorizado provocaram um grau de retrocesso no desenvolvimento industrial;

2) Fizeram passar para mãos estrangeiras inúmeras empresas que até então eram nacionais;

3) Endividaram fortemente o país. A dívida se acumulou muito acima de valores aceitáveis: a dívida externa alcançou enormes magnitudes. Com isso, o país passou a ser muito mais dependente de seus credores e perdeu o controle de sua própria política econômica;

4) Aumentaram fortemente as desigualdades sociais, em particular a pobreza e o desemprego.

Origens
As idéias sobre política econômica que predominavam na Argentina, ligadas à convertibilidade, tinham um forte signo ortodoxo. Na prática, o enfoque era um só e não se discutia nem a vigência da convertibilidade nem de outras alternativas de políticas de desenvolvimento e de política econômica. Nestas circunstâncias é que foi criado o Plano Fênix. Um grupo de professores da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires avaliou que era necessário fazer um replanejamento profundo da estratégia de desenvolvimento e da política econômica do país, dando lugar a outros enfoques menos ortodoxos e mais realistas, para sair do afogamento intelectual no qual o país se encontrava.

Surgiu a iniciativa de organizar um diálogo que discutisse tanto os fundamentos da política oficial quanto alternativas de ação (...). Em uma das primeiras reuniões se mencionou a ave Fênix, que renasceu das cinzas. Nos pareceu que, de forma similar à Fênix, neste caso era necessário fazer com que a Argentina renascesse de suas cinzas, erguendo-se da prostração que a havia conduzido a convertibilidade e retomando a senha para o progresso. Por isso chamamos esse exercício de Plano Fênix. Este plano propunha um objetivo mais distante, menos imediato, porque em um período curto de tempo um grupo de professores trabalhando a título pessoal e em tempo parcial, sem apoio para processar as informações e realizar análises mais detalhadas, não poderia elaborar completamente um plano de desenvolvimento.

Mas se podia colocar em marcha o esforço para avançar através deste Plano e ir obtendo conclusões que já desde o princípio permitiriam alterar o eixo da discussão sobre estratégia de desenvolvimento e de política econômica na Argentina.

Etapas
No desenvolvimento da Argentina a partir dos primeiros anos do século 21, podería-se distinguir três etapas:

1) Uma primeira etapa, que poderia ser chamada de “reativação”, durante a qual se recuperou o nível da atividade econômica que o país havia alcançado antes da crise, usando a plena capacidade produtiva que o país tinha, que estava subutilizada;

2) Uma segunda etapa, de crescimento da capacidade produtiva sobre linhas similares às já existentes, ampliando o capital já instalado e penetrando mais profundamente em mercados já conquistados;

3) Uma terceira etapa, de desenvolvimento de novas atividades mais avançadas, com mudança estrutural. Nesta etapa de desenvolvimento propriamente dito, as indústrias de bens intermediários metálicos e químicos e as produtoras de bens de capital deveriam ter um papel de protagonista. Estas novas atividades facilitariam a obtenção de um desenvolvimento tecnológico e a conquista de mercados para bens mais sofisticados. Isto também implicava no desenvolvimento de tecnologias mais avançadas e uma formação de mão-de-obra científica e técnica apropriada a estas novas etapas.

Outro foco de uma nova estratégia era mover-se rumo a uma distribuição de renda menos desigual, com a redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida dos setores de baixa renda. Essas etapas presumivelmente têm algum grau de sobreposição. Mas, logicamente, nas primeiras décadas das novas políticas, há predominância da primeira das três etapas, que chamamos de recuperação. O país iria gradualmente evoluir para um nível maior de crescimento e investimento e, especialmente, de transformação da estrutura econômica e social. Desde que começaram ser aplicadas estas novas medidas, foram realizados progressos significativos quanto à recuperação do nível de utilização da capacidade produtiva existente e a capacidade de produção ampliou-se em linhas como as anteriormente existentes.

Em menor escala, foram feitos progressos na criação de novos setores econômicos e em mudanças estruturais do desenvolvimento argentino em comparação aos padrões históricos. À medida que se avança este processo, o componente de desenvolvimento de novas capacidades produtivas, a conquista de mercados externos para novos setores produtivos, a mudança tecnológica e a formação de uma nova mão-de-obra com habilidades mais sofisticadas têm que adquirir um protagonismo crescente nas estratégias de desenvolvimento e nas atividades do Plano Fênix.

Contribuições
O Plano Fênix, como se afirmou, foi formado desde o início por um grupo de professores da Faculdade de Economia. Também se reconheceu desde o início que era necessário ter um diálogo com pessoas com conhecimento especializado em áreas que forem necessárias para definir estratégias realistas. Achamos que era necessário nos cercarmos também de técnicos do setor público e privado que lidavam com a política industrial e inovação tecnológica, a conquista de novos mercados, as relações económicas com os nossos principais parceiros económicos (América Latina, Europa, EUA, Ásia e outros países em desenvolvimento). Por este motivo, convidamos outros profissionais para as reuniões do Plano Fênix.

Qual a peculiaridade do caso argentino? A tarefa de levantar idéias sobre a estratégia de desenvolvimento de um país de uma forma realista e correta sempre foi muito interessante e complexa. Mas no caso da Argentina, é ainda mais difícil agora do que antes do revés causado pela política de conversibilidade: antes desse retrocesso, o país teve uma experiência histórica do seu próprio progresso e também teve a experiência de países similares na América Latina e Ásia. Agora, esses outros países continuaram a progredir e superando etapas. Nós, com a conversibilidade, nos tornamos num caso especial de desenvolvimento truncado, no qual é mais difícil enxergar onde devemos colocar o nosso esforço e como devemos manejá-lo, com a combinação de realismo e de decisão que que nos permita mover tão rápido e tão bem quanto seja possível.

Neste contexto, a contribuição do Plano Fênix pode ser importante. Um grupo de peritos independentes, sem vínculos com interesses especiais ou lobistas, que visa dar uma contribuição intelectual sólida e honesta, está em situação favorável para contribuir com idéias e discutir os benefícios do desenvolvimento alternativo e da política econômica. Esta é a tarefa que está fadado o Plano Fênix. Embora o foco principal destas breves notas tenha sido as origens do Plano Fênix, como dito acima, das três fases mencionadas, a primeira, de reativação, registrou progresss importantes e está bastante avançada. A segunda, de ampliação da capacidade produtiva em atividades já existentes, requer a aplicação de políticas de apoio importantes mas menos difícis de desenhar à medida que está se transitando em um território relativamente mais conhecido; de qualquer maneira, é necessário manter um esforço apropriado para continuar o progresso alcançado e nisso o Plano Fênix pode realizar uma tarefa útil.

Os mecanismos e medidas para apoiar a expansão da capacidade produtiva existente e as taxas de aumento da penetração de mercado são similares àquelas que foram implementadas. É sempre necessário inovar, mas esta inovação não é tão difícil. Onde se enfrenta o desafio mais importante e mais complexo é no desenvolvimento de novos setores e na superação das desigualdades sociais pendentes. Como já foi referido, nestes aspectos, os esforços dos membros do Plano Fênix podem ser mais eficazes se forem complementados com a participação de profissionais que estão atacando esses problemas hoje. Um diálogo sistemático e com grau adequado de profundidade com aqueles que administram as políticas de apoio às atividades não tradicionais, principalmente as industriais, científicas e tecnológicas, para conquistar novos mercados e superar os problemas sociais, bem como com os responsáveis por estas questões no setor privado podem ser um foco importante nestas atividades.

Um aspecto que merece atenção especial é o efeito introduzido pela presença dominante de novos países como a China e a Índia, que oferecem novas oportunidades e mercados importantes, mas também e, sobretudo, colocam novos desafios, já que são concorrentes de grande peso, pagam salários mais baixos e possuem políticas definidas para melhorar a competitividade.