terça-feira, 23 de novembro de 2010

Formação do novo Ministério: há motivos reais para dúvidas sobre rumo da política econômica?

O processo de escolha do novo Ministério, sobretudo em relação aos nomes que ocuparão as pastas de Economia a partir de 1º de janeiro, parece estar gerando mais discussões fora do que dentro do próprio governo de transição. As especulações, num primeiro momento, eram direcionadas à permanência ou não do atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, no seu cargo. Após a sinalização na semana passada de que Mantega deverá ser mantido por Dilma à frente da Fazenda, o que pode ser confirmado ainda esta semana, a onda de especulações se volta, agora, para o comando do Banco Central.

Na tarde de segunda-feira, 22, a imprensa começou repercutir boatos de que uma fonte ligada ao governo dava como garantido de que o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não será mantido no cargo pela Presidente eleita, Dilma Rousseff. A razão, segundo esse boato, seria de que Dilma ficou profundamente irritada com uma declaração de Meirelles dada na semana passada, em Frankfurt, na qual ele condicionava sua permanência no Banco Central à autonomia operacional da instituição. Trocando em miúdos, seria como se Meirelles estivesse duvidando que, no governo Dilma, teria a mesma autonomia que teve no governo Lula.

A questão é que esses boatos serviram para criar um frisson no mercado financeiro e deixar os investidores de orelha em pé, a ponto dos contratos de juros futuros negociados na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) sofrerem um ligeiro aumento no final do dia para os vencimentos de mais curto prazo. O próprio periódico britânico Financial Times publicou nestas terça-feira, 23, uma matéria repercutindo essa ansiedade dos investidores pela definição da nova equipe que comandará a política econômica no governo Dilma. De acordo com o FT, “ao nomear Mantega primeiro, dizem os investidores, Dilma sinalizaria um apoio à ala menos ortodoxa do atual governo”.

Compromisso com austeridade monetária
Posto isso, cabe aqui a questão: até que ponto existem motivos reais para essa onda de especulações no mercado? Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o posicionamento deste blog em defesa da permanência de Henrique Meirelles à frente do Banco Central. Afinal de contas, Meirelles tem feito uma condução exitosa da política monetária e garantido uma melhora consistente dos fundamentos econômicos do país, através da austeridade com que o BC tem conduzido a taxa básica de juro brasileira. É importante que se diga, por outro lado, que a análise que se segue não é contaminada pelo posicionamento deste blog, uma vez que os sinais emitidos por Dilma são de uma garantia da autonomia operacional da autoridade monetária.

Como bem se sabe, existe uma pressão tanto de natureza econômica quanto política para maiores reduções da taxa de juros no próximo governo. Os benefícios oriundos de uma taxa de juro menor são bastante óbvios: além de contribuir para uma aceleração do investimento privado e, com isso, ampliar a taxa de crescimento econômico e impulsionar a geração de empregos, há também o benefício direto sobre o câmbio. Em um cenário no qual o real está sobrevalorizado em relação ao dólar, uma redução da taxa de juro poderia reconduzir a moeda doméstica a um novo patamar de equilíbrio, no qual ela se estivesse em níveis que não deteriorassem as exportações brasileiras.

Por outro lado, temos que considerar o cenário interno de alta da inflação nos últimos meses, que não dá espaço para cortes abruptos na taxa de juros, pelo menos ao longo dos primeiros meses do governo Dilma. A Presidente eleita tem reforçado sistematicamente seu compromisso com a manutenção do tripé da política econômica: câmbio flutuante, metas de inflação e controle fiscal; e, como experiente economista que é, além de excelente gestora, isso por si só já deveria tranquilizar os mercados. O que se quer dizer aqui é que independentemente da permanência ou não de Meirelles à frente do Banco Central, a austeridade na condução da política monetária deve ser a mesma. E Dilma tem dado sua garantia em relação a isso.

Ou seja: os juros têm que cair sim, mas em um ritmo que não comprometa o equilíbrio geral do nível de preços. E diante das recentes pressões inflacionárias, é muito pouco provável que quem quer que esteja à frente do BC a partir de 1º de janeiro se aventure em promover uma mudança radical na atual forma de conduzir a política monetária. É claro que todos gostaríamos de que a política monetária fosse mais ousada no sentido de reduzir os juros, mas o BC tem a autonomia e responsabilidade de assegurar a convergência da inflação para o centro da meta. E num contexto de aceleração inflacionária, sobretudo da chamada “inflação de baixa renda”, há que se adotar mesmo uma postura mais rígida no que diz respeito à condução dos juros.

Logo, não existem motivos reais para tanta inquietação do mercado em relação aos nomes que integrarão a nova equipe econômica. Seja com Meirelles ou com outro à frente do Banco Central, Dilma já deu todas as garantias de que 1) a autoridade monetária continuará tendo autonomia operacional para decidir os rumos da política monetária; 2) o próximo governo continuará fundamentando a política econômica na manutenção do tripé; e 3) a convergência da taxa de juros para níveis menores ocorrerá de forma gradual, respeitando as condições macroeconômicas, e não à base de “canetadas”. Assim, toda essa especulação que vem sendo feita no mercado parece fruto mais de boatos da imprensa do que de sinais emitidos pelo governo de transição.

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