terça-feira, 30 de novembro de 2010

Reforma política: voto em lista privilegia programas de partidos e fortalece democracia

Se prestarmos bem atenção nos resultados que vêm sistematicamente sendo auferidos nas diversas eleições em nosso país, sobretudo para cargos proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores), poderemos facilmente constatar que a regra geral é: quem tem maior quantidade de recursos financeiros investidos na campanha consegue se eleger. Por outro lado, é impressionantemente grande o percentual de eleitores que definem o seu voto para cargos proporcionais sem levar em conta critérios mínimos, dando o que poderíamos chamar de um “voto no escuro”.

O resultado disso? Bem, como mostrado por uma pesquisa do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgada na segunda-feira, 29, nada menos que 20% dos eleitores não lembram em quem votaram para deputado nas eleições ocorridas há menos de 60 dias. Sem dúvida, estes são problemas que o atual sistema político tem que solucionar, até mesmo para que não corramos o risco de termos uma democracia fragilizada. A reforma política é, neste sentido, o único caminho para que este cenário seja alterado e, dentro desse contexo, a instituição do voto em lista é fundamental para que a relação partido-candidato-eleitor se torne cada vez mais clara.

Voto em lista fortalece democracia
O voto em lista não é nenhuma novidade no sistema político, uma vez que vem sendo utilizado em algumas democracias, como Argentina, Espanha, Noruega, Turquia e Uruguai. Atualmente, o eleitor vota uninominalmente em um candidato e aqueles mais votados dentro de um partido são eleitos, de acordo com o critério de proporcionalidade instituído pela legislação eleitoral (que leva em conta o quociente eleitoral e a quantidade de votos obtidos pela legenda ou coligação partidária). Isso cria algumas imperfeições no processo eleitoral, como aquelas citadas anteriormente, além de estimular uma competição entre candidatos de uma mesma agremiação, por exemplo.

Pelo voto em lista, o eleitor não votaria mais uninominalmente em um candidato, mas sim em uma lista de candidatos definida previamente pelo partido político ou pela coligação. Assim, ao invés de votar em um candidato, o eleitor votaria na agremiação (é o que se chama atualmente de “voto na legenda”). Como seria formada essa lista? Bem, antes das eleições cada partido realizaria convenções para definir a ordem dos candidatos na lista. É importante que alterações na legislação eleitoral previstas em uma eventual reforma política cuidem para que seja obrigatória a realização dessas convenções e que estas tenham caráter ampliado, seja por meio do voto direto dos filiados à agremiação ou ainda por meio de delegados.

As convenções são importantes para inibir a chamada oligarquização da decisão sobre escolha dos candidatos. Muitos críticos do voto em lista apontam justamente esse argumento: o de que este sistema poderia privilegiar mais ainda os candidatos defendidos pela burocracia partidária, que ocupariam os primeiros lugares na lista. Se houver uma regulamentação no sentido de evitar essa oligarquização, mediante a realização de convenções, certamente as chances de se oligarquizar a decisão sobre os candidatos serão bem reduzidas. Vale destacar que nos países onde já se adota o voto em lista, cada partido pode indicar uma lista com número de candidatos equivalente até a 150% do número de vagas em disputa.

Disputa de projeto é mais clara com voto em lista
E, feita a eleição, como saber quem entra e quem fica de fora na composição do Parlamento? Para sabermos quantas vagas cada partido terá, computados os resultados das eleições, temos que calcular inicialmente o quociente eleitoral, que nada mais é do que a razão entre o número de votos totais computados na eleição pelo número de cadeiras em disputa. Por exemplo, numa eleição para uma Assembléia Legislativa estadual onde o número total de votos foi de 500 mil e o número de cadeiras em disputa é de 100. O quociente eleitoral dessa eleição será calculado da seguinte forma: 500.000/100 = 5.000.

Feito isto, o partido consegue eleger tantos nomes quanto o número de vezes que conseguir atingir o quociente eleitoral. Neste mesmo exemplo, suponhamos que o partido X tenha tido no total 80 mil votos. De acordo com as regras, esse partido ocupará 80.000/5.000 = 16 cadeiras na Assembléia Legislativa. Supondo que ele tenha apresentado uma lista com 50 nomes, os 16 primeiros nomes da lista serão os eleitos e os demais, seguindo a ordem, ficam como suplentes. As vantagens do voto em lista podem ser resumidas em três pontos centrais:

1) O sistema de voto em lista torna a campanha eleitoral bem mais barata do que ela é hoje, uma vez que a competição se dá diretamente entre os partidos e não mais entre centenas de candidados individuais;

2) O voto em lista privilegia o programa, o projeto do partido e não projetos pessoais de candidatos. Assim, esse sistema é uma forma de fortalecer o partido e, ao mesmo tempo, tornar o processo mais transparente ao eleitor, já que este estará votando não em uma pessoa, mas no projeto polítco que lhe parecer mais viável e que o representar melhor. Além disso, ao se instituir o voto na legenda e não no candidato, não haverá mais competição entre candidatos de uma mesma agremiação, como temos visto atualmente;
3) O voto em lista é mais democrático, pois elege candidatos de acordo com uma ordem fixada previamente pelos filiados a uma agremiação. Como a campanha é da legenda e não do candidato, não se tem o risco, por exemplo, de um candidato se eleger só porque gastou mais que a média dos demais em sua campanha.

Alguns cientistas políticos propõem que, a fim de que se facilite a aprovação do voto em lista no Congresso e até mesmo o entendimento por parte do eleitor, adote-se um sistema híbrido, semelhante a alguns países europeus. Por este sistema, o eleitor poderia optar por votar na lista ou então em um candidato específico que fosse de sua preferência. Neste caso, se um candidato A tivesse sozinho mais votos que o quociente eleitoral, ele já estaria automaticamente eleito, sendo as demais vagas conquistadas pela legenda preenchidas com os nomes da lista. Esta também é, obviamente, uma alternativa que se deve levar em conta.

O que é importante deixar claro, aqui, é a urgência de se aprovar o voto em lista (seja no sistema fechado ou híbrido) no Brasil. Como dito anteriormente, ao fortalecer os partidos políticos e, portanto, a disputa de projetos e programas e não de perfis de candidatos, o sistema de voto em lista ajudará a fortalecer a própria democracia brasileira. Ficará muito mais fácil do eleitor optar pelo seu voto (uma vez que comparará projetos políticos e não pessoas) e de cobrar os seus eleitos posteriormente. Sem dúvida, se houver a implantação do voto em lista, estatísticas como essas do TSE apresentadas nesta semana tenderão a desaparecer ou pelo menos serem bastante reduzidas.

Leia também:
Por que a Reforma Política é a mais urgente no Brasil?

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