segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Afinal de contas, a Lei Ficha Limpa serviu para alguma coisa?

Durou pouco a alegria dos que vibraram pela aprovação da Lei Ficha Limpa, acreditando ser este projeto o único caminho possível para se “moralizar” a política. Não foi por falta de aviso. Desde sempre este blog, assim como diversos outros, discutiram e apontaram quais as limitações e problemas pertinentes ao projeto que se transformou em lei após votação no Congresso no primeiro semestre deste ano. E agora, passadas as primeiras eleições nas quais vigorou a referida lei, fica muito claro que a Ficha Limpa adiantou muito pouco. Basta ver as decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as candidaturas que, pelo menos de acordo com a tal lei, deveriam ser barradas.

Vejamos: reportagem da Folha de São Paulo desta segunda-feira, 13, mostra que mais de um terço dos candidatos “ficha-sujas” tiveram suas candidaturas liberadas pelo TSE. Segundo a matéria, 224 candidatos foram enquadrados pela Lei Ficha Limpa nestas eleições, sendo que 202 deles recorreram ao TSE para terem liberadas suas candidaturas. Destes 202 “fichas sujas” que recorreram, 38 ainda não tiveram nenhum tipo de parecer do TSE quanto às suas candidaturas, ao passo que 59 desses candidatos já julgados tiveram suas candidaturas liberadas pela Justiça Eleitoral.

Dos 105 casos restantes, uma pequena parte já teve recurso indeferido pelo TSE, prevalecendo, portanto, a inelegibilidade. Contudo, de acordo com a Folha, mais de 70 candidatos ainda aguardam o julgamento final pelo TSE, sendo que é de esperar que boa parte destes tenha suas candidaturas liberadas, pelos mesmos motivos que levaram a Justiça Eleitoral a liberar aqueles 59 citados anteriormente. E qual seria esse motivo? Deixemos que a Folha explique melhor ao leitor qual tem sido a “salvação legal” dos políticos que tiveram suas candidaturas inicialmente barradas pela Justiça Eleitoral:

“A maior parte dos candidatos vitoriosos no TSE foi beneficiada por um afrouxamento na aplicação da lei. De acordo com o texto da Ficha Limpa, são inelegíveis os políticos ‘que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável’. Porém o colegiado do TSE adotou o entendimento de que essa regra só vale para candidatos cujas contas, além de terem sido rejeitadas por Tribunais de Contas, também tenham sido desaprovadas pelo Legislativo. A maioria dos barrados pelos TREs só tinha contra si rejeições por Tribunais de Contas, e por isso tiveram as candidaturas liberadas pelo TSE”.

Um dos candidatos liberados pelo TSE foi o ex-prefeito de Santos e deputado federal eleito, Beto Mansur (PP-SP), que teve 65 mil votos no último dia 3 de outubro. A candidatura de Mansur havia sido barrada pelo TRE-SP por conta de uma condenação pelo Tribunal de Justiça do estado com base na acusação de abuso do poder político nas eleições de 2000, quando Mansur concorreria à reeleição na Prefeitura de Santos. Contudo, ao recorrer ao TSE, o deputado federal eleito acabou tendo decisão favorável à sua candidatura. Outro caso emblemático é o do ex-prefeito de São Paulo e deputado federal Paulo Maluf, que também deve ter sua eleição liberada após o TJ-SP ter cassado a decisão que o enquadrou na Lei Ficha Limpa.

Ficha Limpa não resolve distorções do sistema político
Muitos leitores poderão argumentar que a culpa não é da lei em si, mas da interpretação da lei feita pelo TSE. Que nada! Isso seria a mesma coisa que culpar o termômetro pela febre. A Lei Ficha Limpa já foi concebida de forma equivocada: aliás, podemos dizer que sua própria existência já é um grande equívoco. É equívoco porque procura resolver problemas da política com instrumentos externos à política. Ora, se o Brasil enfrenta hoje um grave problema em seu sistema político – e é fato que ele apresenta – então que se busque a solução na própria política e não na Justiça, como estabelece a famigerada Lei Ficha Limpa.

A solução para as distorções que assistimos em nosso sistema político encontra-se na própria política, e não na Justiça e muito menos do debate “moral”, como alguns têm tentado fazer. Qual resultado concreto essa Lei Ficha Limpa conseguiu? Alguns se apressarão em dizer que a candidatura barrada do ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), é um exemplo. Não é! Roriz, de fato, foi barrado pelo TSE, mas indiretamente disputou a eleição e foi alçado, inclusive, ao segundo turno, sendo “representado” por sua esposa Weslian Roriz. Ora, uma lei que é feita sob o pretexto de “moralizar” o sistema político não dá conta de impedir uma palhaçada como essa que ocorreu no Distrito Federal?

Talvez o único resultado concreto que foi produzido pela Ficha Limpa foi a ocorrência do chamado “terceiro turno”. Nunca se viu tamanha incerteza dos partidos políticos quanto ao tamanho de suas bancadas, da mesma forma que nunca se viu tanta incerteza entre alguns candidatos teoricamente eleitos quanto a suas eleições. Isto porque, com essa farra do TSE liberar algumas candidaturas em tese barradas pela Ficha Limpa, os resultados proporcionais registrados em 3 de outubro estão mudando toda hora. Um candidato que em tese estava eleito perde de repente sua vaga porque foi liberada a candidatura de outro candidato de fora de sua bancada. E assim segue uma dança nada agradável à democracia.

É preciso que se entenda, conforme dito anteriormente, que os problemas da política são resolvidos dentro do campo da política. A Lei Ficha Limpa, neste sentido, nada mais é do que uma forma patética de se tentar judicializar a política. Nada mais anti-democrático do que isso! É preciso sim resolver as distorções do nosso sistema político, mas é também necessário que se tenha a compreensão de que a Ficha Limpa não dá conta dessa tarefa. O caminho mais viável para resolvermos os problemas do nosso sistema política é a Reforma Política. Somente assim teremos um instrumento sério e eficaz para corrigir as distorções e fortalecer ainda mais nossa democracia.

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