terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A recente trajetória da inflação e as razões para o Copom elevar a taxa básica de juro brasileira

A primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do governo Dilma Rousseff começa nesta terça-feira, 18, com a perspectiva do mercado de que a autoridade monetária deverá elevar a taxa básica de juro da economia – a Selic – para conter pressões inflacionárias. De acordo com a mediana das projeções do mercado resumidas no relatório Focus, do Banco Central, o Copom deverá aumentar em 0,5 ponto percentual a taxa Selic, para 11,25% ao ano, frente à atual taxa de 10,75% ao ano. Na última reunião do Copom, em dezembro do ano passado, optou-se pela manutenção da taxa básica de juro, sem viés.

De fato, o controle da inflação é uma das preocupações do governo Dilma na área econômica, especialmente após o processo de aceleração do crescimento do nível de preços registrado ao longo do ano passado. Em 2010, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – Amplo) registrou variação positiva de 5,91%, bem acima da inflação de 4,31% medida em 2009 e também superior ao centro da meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), que é de 4,50%. Essa forte aceleração da inflação em 2010 reflete, basicamente, o comportamento dos preços livres, uma vez que os preços administrados cresceram de forma desacelerada no decorrer do ano.

Choques de oferta e maior liquidez impulsionam preços
O grande “vilão” da aceleração inflacionária em 2010 foram os alimentos. Para se ter uma idéia, o grupo registrou elevação de 10,39% em todo o ano passado, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável por auferir o IPCA. Essa forte elevação do preço dos alimentos decorreu, sobretudo, de choques de oferta, tanto no mercado doméstico quanto no internacional, e que foram potencializados pelo ambiente de elevada liquidez nos mercados financeiros internacionais. Embora a maior alta percentual tenha sido verificada nos preços do feijão, que subiram 51,49% em 2010, quando analisamos a cesta de consumo das famílias, percebemos que o maior impacto na inflação decorreu do aumento nos preços da carne.

Neste sentido, a carne ficou 29,64% mais cara em 2010, contribuindo com 0,64 ponto percentual na composição do índice de preços. Enquanto isso, apesar de ter tido maior alta percentual, o feijão, por ter um menor espaço no orçamento das famílias, contribuiu com apenas 0,13 ponto percentual no índice geral. Como efeito direto da elevação do nível geral dos preços dos alimentos, impulsionados pelo feijão e pela carne, comer fora de casa também ficou 10,62% mais caro ao longo do ano passado. Assim, a refeição fora de casa contribuiu com 0,46 ponto percentual do IPCA. Vale destacar que o grupo alimentos como um todo participou com 2,34 ponto percentual na composição geral do IPCA do ano passado, respondendo, dessa maneira, por 40% da inflação registrada no período.

Observando a figura abaixo, perceberemos que a inflação já começou 2010 em um nível acelerado em relação ao início do ano anterior, refletindo, portanto, não somente uma transmissão inflacionária via inércia, mas também via demanda. É evidente que o primeiro trimestre do ano carrega uma sazonalidade, em função dos efeitos do IPVA, do material escolar e também de impactos pontuais nos preços de certos alimentos, em decorrência de variações na oferta ocasionadas pelas chuvas do mês. Contudo, não se pode desprezar o fato de que a velocidade de crescimento do nível de preços no primeiro trimestre de 2010 foi bem superior àquela registrada em igual período do ano anterior. Após uma ligeira desaceleração, os preços voltaram a acelerar a partir de julho, dando sinais de perda do fôlego somente em dezembro.

Maior crédito ao consumidor também impulsionou inflação
Se por um lado tivemos uma forte pressão pelo lado da oferta, também não pode se desconsiderar a pressão oriunda da maior demanda, impulsionada em 2010 pela maior oferta de crédito ao consumidor. O crédito à pessoa física teve uma importância central entre 2008 e 2010 por auxiliar no processo de resposta à crise econômica mundial. Foi graças à elevação do crédito ao consumidor, dentre outras medidas tomadas pelo governo do então Presidente Lula, que o Brasil foi o último país a entrar e o primeiro país a sair da crise. Entretanto, passado esse cenário de crise, é importante que o governo Dilma daqui para frente enxugue o excesso de crédito ao consumidor na economia brasileira, convertendo-o em crédito ao setor produtivo, que é uma forma de crédito mais saudável e coerente com o crescimento de longo prazo.

Afinal de contas, se o governo troca parte do crédito ao consumidor pelo crédito ao setor produtivo, ele estará incentivando investimentos privados que, dentre outras coisas, significarão maior crescimento do nível de empregos na economia, formando, assim, um ciclo virtuoso melhor do que o que temos hoje. Isto porque o crédito ao consumidor amplia a liquidez de curto prazo, mas no longo prazo ele significa endividamento ou menor renda futura disponível das famílias, uma vez que determinada parcela do orçamento familiar estará comprometida com o pagamento do empréstimo. Dessa maneira, o melhor dos mundos, como dito acima, é que paulatinamente o governo vá transformando uma parte desse crédito ao consumidor em crédito ao setor produtivo, que é mais sustentável no longo prazo.

Uma boa forma de o governo incentivar esse processo seria o estabelecimento de juros maiores na tomada por empréstimos para pessoas físicas, adotando, em contrapartida, taxas menores para o setor produtivo. Isso ajudaria a frear a escalada inflacionária no curto prazo (pela contenção da demanda das famílias) sem prejudicar o crescimento econômico, já que as empresas, com maior acesso ao crédito a taxas menores, continuariam investindo e contratando. Assim, ao invés das famílias terem uma renda transitória presente em suas mãos (que significa menor renda disponível futura), elas terão uma maior renda permanente, o que é muito mais saudável para a economia como um todo.

Razões para o aumento da taxa básica de juro
É cedo ainda para dizer se a ligeira desaceleração registrada em dezembro pelo IPCA corresponde a uma inflexão de fato na trajetória inflacionária ou se não passa de um mero ajuste frente à progressiva escalada de preços nos meses anteriores. Isto porque ainda não foram divulgados índices conclusivos referentes ao mês de janeiro. Por enquanto, no terreno dos índices de preços, tivemos a divulgação do IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, que mostrou uma boa desaceleração da inflação; por outro lado, as duas prévias de janeiro do IPC da Fipe mostraram que a aceleração da inflação permanece, pelo menos na região metropolitana de São Paulo, onde é feita a coleta de dados para cálculo do índice. Ou seja, diante desse cenário é melhor permanecer com o sinal “amarelo” ligado.

É certo que esta aceleração não corresponde a um ciclo inflacionário, mas sim a uma bolha. Contudo, um relaxamento da política monetária nesse cenário pode fazer com que efeitos exógenos que aceleraram a inflação nos últimos meses possam ser transmitidos para mecanismos endógenos de formação dos preços, o que aí sim seria perigoso, pois poderia incorrer em um ciclo inflacionário no longo prazo. A questão, portanto, é: não temos ainda um ciclo de inflação, mas se não tomarmos as medidas cabíveis neste momento, poderemos ter. Por isso é mais que justificado um aumento da taxa básica de juro por parte da autoridade monetária. É preciso já no curto prazo tomar medidas para trazer a inflação de volta ao centro da meta.

Embora as expectativas apontem para uma inflação menor em 2011 do que aquela registrada em 2010, as projeções ainda sugerem um crescimento dos preços a um patamar bem acima da meta. De acordo com o relatório Focus, o IPCA deve encerrar este ano com elevação de 5,42%, o que certamente é menor que a inflação de 5,91% auferida em 2010, mas é quase um ponto percentual superior à meta de 4,50%. Vale lembrar que o risco baixo de uma inflação subjacente no curto prazo tende a reduzir as incertezas em relação ao comportamento futuro da inflação plena, tendo reflexos diretos sobre os agentes econômicos, sobretudo, os formadores de preços. Em outras palavras, se a inflação converge para a meta já no curto prazo, as incertezas para o longo prazo são diluídas e a inflação permanece sob controle.

Por esta razão, qualquer aumento da taxa básica de juro neste início de governo – e é praticamente certo que a Selic seja aumentada nesta quarta-feira – deve ser entendido como um movimento de austeridade monetária. Afinal de contas, quem tem mais de 30 anos sabe bem o que significa inflação alta: arrocho salarial para os trabalhadores, redução do poder de compra (já que os salários não absorvem todo aumento do nível de preços) e encurtamento do horizonte de planejamento, tanto das famílias quanto do setor produtivo. Dessa forma, é fundamental promover no curto prazo os ajustes necessários para que a inflação volte a gravitar em torno do centro da meta. Como dito anteriormente, isso não significa comprometer o crescimento econômico, mas tão somente criar condições cada vez mais propícias a um crescimento que se sustente no longo prazo.

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