sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A queda de Mubarak no Egito e "a Berlim de 1989 dos árabes"

Como o “11 de fevereiro” passará para a História ainda é cedo para saber: tudo depende da dimensão que as repercussões da queda do ditador do Egito Mubarak tomarão daqui para frente. Há quem diga que estamos assistindo apenas ao começo de uma revolução democrática árabe, que poderá colocar fim a uma série de ditaduras que persistem no Oriente Médio, instalando, nos seus lugares, regimes democráticos. Entretanto, uma coisa já sabemos: para o Egito, essa data já faz parte de sua História. Após trinta anos de opressão, o povo egípcio finalmente está livre do ditador Mubarak. Chama à atenção, sobretudo, a mobilização popular que culminou com a renúncia de Mubarak: nos últimos 18 dias, pessoas das mais diversas partes do mundo acompanharam pela internet e pela TV cada lance da luta do povo egípcio, que desde o dia 25 de janeiro tomou as ruas e iniciou um movimento que buscava muito mais que uma transformação econômica, mas sim uma ruptura política.

Embora a Praça Tahrir tivesse sido tomada por egípcios das mais diversas idades e classes sociais, é impossível não reconhecer o protagonismo da juventude egípcia nesse processo. E, neste sentido, é muito especial vermos a juventude tomando as ruas e, movidas pela esperança e pelo desejo de uma sociedade de direitos e democrática, derrubar um regime ditatorial. Torcemos para que agora o Egito possa experimentar uma transição tranqüila para um governo democrático, fazendo valer a luta desses milhões de egípcios que lutam por dias melhores. O Boteko reproduz aqui um texto do jornalista do El País Javier Valenzuela, intitulado “A Berlim de 1989 dos árabes”. Boa leitura!

A Berlim de 1989 dos árabes
“Foi duro, muito duro, e absolutamente deslumbrante. O povo egípcio, liderado por sua ciber-juventude democrática, em dado ao mundo uma imensa lição de claridade de idéias, valentia e tenacidade. A imensa multidão da Praça de Tahrir, jovens e adultos, de classe média e pobres, homens e mulheres, cristãos e muçulmanos, insistia na saída do ditador Mubarak antes mesmo de contemplar a possibilidade de uma transição para a democracia mais ou menos negociada entre o regime e a oposição, e tinha toda razão do mundo. Nada do que o regime prometesse teria a menor credibilidade se seguisse no trono um faraó convertido em múmia, um cadáver político teimosamente agarrado ao poder.

Mubarak acaba de ir-se. O povo venceu na persistência. Na noite passada, Mubarak ainda insistia em permanecer no cargo até setembro, liderando a transição. Era um disparate monumental, ainda que tivesse o apoio dos falcões de Israel, de outros déspotas árabes, dos elementos mais conservadores do establishment norte-americano e da pusilanimidade de dirigentes europeus. Era um despropósito porque o povo de Tahrir não aceitaria, não abandonaria o combate. Ao contrário, iria redobrá-lo, mesmo que decepcionado e frustrado, contando também com o reforço de outras centenas de milhares de egípcios em suas orações de sexta-feira nas mesquitas. Nos últimos dias o lema do povo era esse: “se o rei é teimoso em seus esforços de agarrar-se ao poder, muito mais somos nós”.

Como o governo podia conter a multidão que tem ocupado as ruas das principais cidades egípcias? Somente uma matança de proporções descomunais, uma matança nunca vista ao vivo na História da Humanidade, poderia tentar conter hoje o movimento egípcio e mesmo assim era improvável que conseguisse seu objetivo. O blefe de Mubarak na noite anterior não teria o menor futuro. A partir do momento que o Exército egípcio, a instituição com maior prestígio no país e da qual saíram os presidentes Nasser, Sadat e Mubarak, se negou a disparar contra as massas, afirmando inclusive que compreendia e apoiava seus motivos, a revolução democrática egípcia já estava em vias de ganhar. Agora, acaba de conseguir seu primeiro objetivo concreto: a renúncia do ditador. E é um momento para regozijo. Dos egípcios, dos povos árabes e de todos os democratas do planeta.

Tahrir significa em árabe 'libertação'. E para as pessoas que têm feito dessa praça o coração palpitante da luta pela liberdade, o primeiro passo era serem libertas desse general de rosto pétreo que governou o vale do Nilo com mãos de ferro durante mais de trinta anos. (...) Acaba de triunfar a primeira e decisiva fase de uma revolução democrática. A humanidade não havia vivido nada semelhante desde a queda do Muro de Berlim e a dissolução do império soviético. E esta primavera dos povos árabes tem muito pouco ou nada a ver com a revolução de Teerã, em 1979. Somente cabe compará-la com Berlim em 1989. É a história em movimento, é, em plena crise econômica, o retorno ao primeiro plano da política internacional de luta contra a ditadura e em favor dos direitos humanos.

Já são dois ditadores árabes derrubados, o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak, nesta revolução democrática árabe que faz cair por terra estúpidos preconceitos ocidentais, como aquele que afirma que o árabe e o muçulmano são totalmente incompatíveis com a democracia. E que demonstra também que as cautelas governamentais do Ocidente não são somente traições aos princípios e valores democráticos, mas também fruto da preguiça intelectual, de não ter feito a lição de casa, de não haver percebido que o grande protagonista do mundo árabe neste século 21 não são os islâmicos, mas sim os jovens, esses mais de 100 milhões de jovens árabes, que desejam liberdade, dignidade e justiça.

E agora, querem saber qual será o próximo ditador árabe que poderá ser derrubado como resultado de uma revolução popular? A resposta é fácil: olhe para onde os ministros do governo Sarkozy passaram as festas de Natal. Esta é a piada que circula por esses dias na França, aproveitando o fato constrangedor da ministra Alliot-Marie ter passado, gratuitamente, suas férias na Tunísia de Ben Ali e o primeiro ministro Fillon, com a mesma agência de viagens, no Egito de Mubarak. E isso não é tudo. Está sendo convocada para o próximo dia 12 uma jornada de protestos na Argélia, no dia 17 na Líbia e no dia 20 em Marrocos”.

(Javier Valenzuela é economista, escritor e jornalista. Escreve no El País desde a década de 80, tendo sido correspondente do jornal espanhol em diversos países, inclusive no Oriente Médio)

Para um panorama das perspectivas sobre o governo de transição no Egito, o Boteko recomenda esse excelente texto de Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Colúmbia (EUA) e correspondente do Estadão. Vale a pena ler o artigo com atenção!

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